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outubro 11, 2010
Laurie Anderson, criadora multimídia desde a década de 80 por Camila Molina, O Estado de S. Paulo
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no caderno Cultura do jornal O Estado de S. Paulo em 11 de outubro de 2010.
Cantora, compositora e artista pop abre primeira mostra no Brasil, uma retrospectiva de 40 anos de trajetória
"E se daqui a mil anos não for mais possível criar objetos artístico porque o homem terá pele e olhos supersônicos e uma mente mais aberta?" A divagação soa natural falada pela norte-americana Laurie Anderson, figura pop desde o grande sucesso da canção O Superman, em 1981. Experimental e multimídia, apesar de ter ficado mais conhecida pela música (tem diversos álbuns gravados e seu último é Homeland, de 2010) e pelas performances realizadas a partir da década de 1970, a artista Laurie Anderson é um mundo de criações ainda mais diverso e misturado do que se possa imaginar a partir de suas canções de atmosfera surreal, mas também mundana e política. É isso que se pode ver na mostra I In U/ Eu Em Tu, a primeira retrospectiva da artista no Brasil, a partir de amanhã, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) de São Paulo.
Cantora, compositora e violinista desde criança, com formação em história da arte e em escultura - e casada com o músico Lou Reed - Laurie Anderson, aos 63 anos, pode se valer de diferentes meios e linguagens em suas obras, mas todas têm o sentido puro do querer falar ao público de maneira simples. "É uma mostra sobre histórias, às vezes contadas em fotografias, em filmes ou em objetos. São sobre muitas coisas, como música, vida, comida, família, tristeza, amor", diz a artista ao Estado, sentada no café do CCBB. De fala doce, baixa e tranquila, Laurie, que já se apresentou duas vezes no Brasil - em 1989, no Rio, e em 2008, em São Paulo - afirmou que não quis uma exposição "acadêmica". "São 40 anos de trabalho; tentei misturar tudo".
Já na rotunda do centro cultural está a obra Handphone Table, em que histórias são contadas por vibração sonora (o visitante deve tapar os ouvidos e sente a voz de Laurie). Andando ainda mais pelas criações multimídias da artista, o público encontrará o Talking Pillow (travesseiro que conta sonhos); o Self Playing Violin (instrumento criado por ela e que toca sozinho); o Parrot (papagaio que fala em português, pela voz do ator Fabio Tavares); e uma versão de um de seus trabalhos mais recentes, a instalação Delusion, com grande projeção de imagens , sons e aqui com três narrativas (originalmente , segundo a artista, é apresentada em forma de espetáculo, participação de músicos).
A exposição reúne, assim, tanto obras (algumas, inéditas) que têm caráter mais interativo como 19 filmes, vídeos, desenhos e fotos. "A ideia era ser intimista", diz Marcello Dantas, produtor e curador da mostra - foi ele que trouxe Laurie ao Brasil em 1989 e em 2008 lançou ao CCBB o projeto dessa exposição, que chega ao Rio em março. Para a abertura da mostra, amanhã, a artista vai realizar, às 16h, a performance Duetos sobre Gelo, criada em 1975, e às 18h, uma palestra.
O produtor e curador da mostra I In U/ Eu Em Tu, Marcello Dantas, conta que o mais novo projeto da cantora, compositora e artista norte-americana Laurie Anderson em Nova York, onde ela vive, se chama "Escola da Vida". "Como ela disse, já existem escolas de arte suficientes pelo mundo." Por meio desse trabalho, Laurie vai colocar pessoas para falar sobre seus ofícios ou assuntos diversos – é que as histórias são o manancial dessa criadora, que inaugura amanhã sua retrospectiva no CCBB de São Paulo. Laurie tem uma obra multifacetada, mas ao mesmo tempo, seu grande interesse é "perguntar ao público ‘O que você pensa disso?’", como ela diz na entrevista a seguir.
Você usa a tecnologia há tempos e ainda revisita trabalhos anteriores para promover criações com novos dispositivos. Poderia falar sobre esse processo?
A tecnologia não é muito importante para mim. Ninguém está interessado em apenas apertar um botão, somos mais sofisticados do que isso. Uso a tecnologia apenas como um lápis.
Ao mesmo tempo, alguns de seus trabalhos são interativos e de alguma forma a tecnologia é uma aliada nesse segmento. Como considera a questão da interatividade?
Não diria que meus trabalhos sejam interativos. Interatividade é perguntar ao público: "O que você pensa disso?", não apertar botões. Por isso a exposição se chama I In U/Eu Em Tu. É uma maneira de encorajar pessoas a não serem apenas observadores passivos, mas que pensem "O que essa história significa para mim?". É um desafio, que pode ser muito físico também. Há os violinos que são esculturas do começo da minha carreira. Há instalações com sons. E tem uma sala é que uma espécie de filme em terceira dimensão, o meu mais recente trabalho, Delusion. Fiz também um texto sobre a parede, uma história escrita, como um grafite. Essa cidade (São Paulo) tem o melhor grafite do mundo. É como se as pessoas escrevessem suas histórias nos muros. Aí, sobre tudo que mostro, alguém pergunta: "Isso é arte?" Eu digo que não sei, mas é divertido de fazer. Na Austrália, fiz um concerto de música para cachorros.
E poderia falar sobre a performance em seu trabalho?
Não sou uma performer do tipo "Olhe para mim". Digo: "Olhe para isto!", ou "Para aquilo ali!" Meu trabalho é sobre mistura, sobre questões de identidade e sobre histórias. Por que você faz coisas? O que te motiva? Pelo o que você se importa? Com as obras, você pode entrar no seu próprio universo. Nós todos somos vítimas da sociedade de consumo. Todos querem o carro, computador, estão cegos. Acham que a vida está incompleta sem essas coisas. Eu estou mais interessada em jogar as coisas fora. É exaustivo, estressante para as pessoas. Porque a sensação é a de que nunca é suficiente. O que é isso? Não vejo mais muita alegria mais em viver na cidade. Mas eu posso escapar para a música.
Considera, então, a música a principal referência para suas criações?
Não. Para mim, agora, desenhos são os mais divertidos. Da próxima vez pode ser alguns sonhos. Mas sempre faço uma coisa de cada vez. E faço muito obsessivamente.
Já que a exposição é sobre histórias, você acha a narrativa importante na arte? Considera essas histórias que traz para seus trabalhos como narrativas?
Sim e não. Algumas não têm a forma de narrativa, são como uma divagação da mente ou uma combinação de imagens, sentimentos, sons. É uma experiência multimídia a que você tem em sua mente o tempo todo. A vida é uma bagunça e não temos um fim perfeito para as histórias. A vida é complicada. Deixo um pouco de bagunça porque penso que tento fazer um tipo de retrato da vida.
A relação entre arte e política é o tema da atual Bienal de São Paulo e gostaria de saber sua ideia sobre essa questão.
Gostaria de ir à Bienal de São Paulo assim que tiver um tempo. Essas mostras grandes me dão a impressão de não tratarem do mundo da arte, mas do mundo do mercado. Não lido bem com mercado. Meu mundo é mais da bilheteria: os que vão aos meus shows não são colecionadores de objetos, apenas compram um bilhete. Já fiz muitos trabalhos políticos em minha carreira e penso que quando se tem um governo conservador, faço trabalho político e quando o governo é liberal, faço poesia.
E como considera então este governo dos EUA, do presidente Barack Obama?
Considero entre (conservador e liberal). Obama não é exatamente tão liberal quanto nos disse. Mas tudo bem. Acho que a questão mais política que se pode pensar é: a arte pode mudar a situação política? Não sei. Penso em Bob Dylan (cantor e compositor americano), que escreveu canções nas quais romantizou os perdedores, o que se criou um sentimento de empatia. Isso muda a política porque, no sentido de que todas as coisas são políticas, pensamos: Como podemos nos relacionar com as pessoas, colaborar com cada um? Gradualmente, o ser humano vai ficando mais esperto.