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outubro 11, 2010
Ianês volta à Bienal em busca da voz por Silas Martí, Folha de São Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 9 de outubro de 2010.
Artista que viveu nu no pavilhão vazio há dois anos faz nova performance em que reúne relatos de visitantes
De plantão na Bienal, ele vai entrevistar o público sobre memórias com a linguagem e a sensação de falta dela
Maurício Ianês não esquece o dia em que aprendeu a desenhar os contornos da letra "A". Numa sala de aula, o artista teve o que chamou depois de sua primeira experiência com a linguagem.
Quando perdeu a mãe, aos 15 anos de idade, ficou mudo diante do fato. Estava forjada sua primeira experiência de falta de linguagem, sensação de não encontrar palavras.
Na Bienal de São Paulo, Ianês agora pergunta ao público sobre essas lembranças, tentando colecionar relatos de presença e ausência do verbo que serão lidos no fim deste mês numa grande performance, com leitores espalhados pelo primeiro andar do pavilhão no Ibirapuera.
"Me interessa esse momento da linguagem como a definição do mundo, nossas memórias são contaminadas pela língua", diz Ianês. "Tento lidar com esse jogo entre linguagem, memória e a construção de um mundo."
Ele também tenta construir agora uma enorme massa sonora de relatos anônimos. Lidos ao mesmo tempo, têm um impacto difuso, sons que se desmancham no ar com fragmentos de memória.
Todos os dias, Ianês pretende ficar de plantão na Bienal, sentado numa mesa, à espera de quem quiser dividir com ele suas lembranças. "Vou ficar ali como faísca para ativar os pensamentos", diz o artista. "Quero ver até onde vai a performance nesse diálogo com o público."
É uma estratégia mais sutil do que sua ação na última Bienal, quando morou no pavilhão deixado vazio pelos curadores há dois anos. Ele começou nu uma performance sobre a dependências dos outros. Em poucos dias, já tinha roupas, comida e tudo que precisasse para viver.
POLÊMICA FÁCIL
"Essa performance agora começa mais focada, sem a polêmica fácil da nudez", diz Ianês. "Ali a gente tinha focos de sensibilização mais agudos, agora são mais tranquilos, é a mesma discussão, mas a fórmula é outra."
No fim das contas, é como se tentasse encadear uma série de tentativas fracassadas de comunicação em monólogos sobrepostos. Em vez de falas soltas, Ianês acaba orquestrando um murmúrio que pode beirar a música.
"Quero criar com a voz uma paisagem sonora", resume o artista. "Fiquei muito tempo ligado à escrita e agora vejo na voz um fenômeno originário da comunicação."
Vestido, Ianês agora fala de outro tipo de nudez. É como se apontasse a crueza da linguagem que reverbera no espaço com a mesma dependência dos outros para que possa valer alguma coisa.