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setembro 29, 2010
Arte revolucionária por Nina Gazire, Istoé
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na Istoé em 10 de setembro de 2010
Pela primeira vez para o público brasileiro, a obra pacifista de Joseph Beuys, artista que não separava arte, política e cotidiano
Muito se discute sobre a veracidade dos fatos que envolvem o acidente de avião sofrido pelo alemão Joseph Beuys – na época, piloto da Luftwaffe –, durante a Segunda Guerra Mundial. É verdade, porém, que o surgimento de um mito potencializa a realidade e, boato ou não, as histórias que cercam o episódio foram providenciais na formação de um dos maiores artistas do século XX. O avião caiu na região da Crimeia, próxima à Sibéria, em fevereiro de 1943. Beuys teria ficado soterrado na neve por dias e seria salvo por um pequeno grupo de origem mongol, os tártaros. Eles teriam cuidado dos ferimentos de sua perna com gordura animal e envolvido seu corpo com um tipo de feltro, que o teria mantido aquecido e protegido do rígido inverno. Beuys levaria estes elementos e o contato com esta etnia para o resto de sua vida, introduzindo-os em diversos trabalhos futuros. Mas o que pouca gente sabe é que a presença dos tártaros na obra do artista não é apenas mera referência plástica ou cultural, mas uma forma de protesto contra um dos maiores extermínios étnicos da história. Após o fim da Segunda Guerra, os tártaros foram acusados de traição e perseguidos pelo governo de Stalin. Segundo estimativas, cerca de 200 mil pessoas morreram durante o duro processo de exílio ao qual foram submetidas.
“A Revolução Somos Nós” apresenta, pela primeira vez ao público brasileiro, os ideais pacifistas de Beuys. Ao contrário de uma retrospectiva convencional, na qual se apresentaria um recorte cronológico da produção do artista, nesta exposição será possível conhecer o Beuys revolucionário, através da totalidade de sua produção panfletária, composta de cerca de 250 obras produzidas a partir de uma concepção de “arte antropológica”. “Beuys repensou o humanismo, mas para além do sentido das crenças e ideologias. A sua frase ‘todo homem é um artista’ ficou muito conhecida, mas nem sempre foi compreendida. Ele entendia a vida e o universo humano como uma ‘obra’ em que todos atuam e a função da arte é a de conscientizar-nos sobre esse processo”, diz Antonio D’Avossa, curador da exposição.
Em 1972, quando foi demitido da Universidade de Dusseldorf, Beuys fundou a Universidade Livre, uma iniciativa pedagógica que ia muito além do ensino da arte como disciplina isolada. Para o artista, não havia separação entre arte e cotidiano e isso implicava que política e arte também eram indissociáveis. “Os pôsteres, primeiros materiais de propaganda da Universidade Livre, nunca foram apresentados dessa maneira. Essa produção se dá em três níveis de conhecimento: a comunicação, a política e a ecologia”, diz o curador. Com os pôsteres, estão expostos os múltiplos, objetos em série, e 20 vídeos que apresentam suas performances. Mas, muito mais do que apresentar as obras, a exposição se dedica a intensas atividades educativase com isso se volta para aquilo que era mais importante a Beuys: o uso da arte como forma de transformação da realidade.