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setembro 29, 2010
Tunga: a alquimia como arte por Nina Gazire, Istoé
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na Istoé em 17 de setembro de 2010
Tunga se autodeclara um velho leitor de textos sobre alquimia. Para ele, essa antiga tradição, na qual se encontram a ciência e a magia, também dá origem aos conhecimentos da arte. “Obviamente não pretendo achar o ouro no meio de meu trabalho. A alquimia é apenas uma metáfora”, diz o artista pernambucano, que este mês expõe concomitantemente em São Paulo e Salvador. A palavra “cooking” (cozinhar, em inglês) no título da exposição na Galeria Milan é uma de suas inúmeras referências ao forno – instrumento amplamente usado em laboratórios por alquimistas, em seus estratagemas para transformações. “Aliás, o olhar é uma espécie de cozinhar, onde digerimos aquilo que olhamos”, declara Tunga.
A exposição “Cooking Crystals Expanded” apresenta novos trabalhos em que a matéria do cristal aparece como referência conceitual à continuidade entre corpo humano e mundo exterior. As instalações estão arranjadas como emaranhados de cristais e frascos de urina suspensos por redes e fios. Como as tranças e os ímãs de ferro, o cristal e a urina são símbolos comuns ao seu trabalho e se integram ao que o artista chama de uma “estrutura cristalográfica” ou “nebulosa escatológica”.
“Tanto a terra quanto o nosso corpo produzem cristais, essa é uma constelação lógica, uma zona metabólica. A urina em nosso corpo também se apresenta como uma forma cristaloide”, diz ele. A alquimia, que torna possível transformar corpo em cristal e cristal em arte, é aquilo que mais interessou o artista ao longo de sua carreira. As duas instalações da mostra, “Cristalinos” e “Cooking Crystals”, exibida na 3ª Bienal de Arte Contemporânea de Moscou, em 2009, têm, portanto, um caráter de síntese de sua produção.
Outro vetor importante da obra de Tunga é a instalação “À Luz de Dois Mundos”, atualmente exposta no Palacete das Artes Rodin, em Salvador. Criada em 2005, a obra é inspirada nas pinturas de Frans Post, realizadas durante a sua viagem à América, no século XIX. Antes de ser exibida no Brasil, esteve exposta no museu do Louvre, para onde foi feita especialmente, e no espaço PS1, do MoMA de Nova York. Composta por crânios e esqueletos metálicos, tranças e redes, a instalação faz uma referência às possíveis dificuldades que o pintor teria encontrado ao lidar com uma luminosidade totalmente diferente no continente sul-americano. Tunga imaginou que este pintor tenha criado uma técnica de pintura diversa da que usava até então. “Fazer arte é fazer uma ficção deixando aparente o processo de fantasia”, explica.