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setembro 28, 2010
A construção do corpo coletivo: A dimensão política da obra de Lygia Clark por Carlos Alberto Dias, Panorama Crítico
Matéria de Carlos Alberto Dias originalmente publicada na Revista Panorama Crítico em agosto/setembro de 2010
A sensação é de incomodo. Incomodo pela impossibilidade de realizar um gesto tão simples como pegar uma bola de tênis. Gesto corriqueiro, o qual faríamos automaticamente se fossemos solicitados, torna-se um verdadeiro suplício quando tentamos realiza-lo vestindo a grossa luva de borracha forrada por grossa lona.
Minha mão não sente a bola, por isso não calcula corretamente o gesto. A bola escorrega da mão/luva. Mesmo quando, com dificuldade, consigo segurar a bola, é com se não a houvesse pegado, pois não a sinto em minhas mãos.
O que impede a realização deste simples e corriqueiro gesto cotidiano? A falta de tato, isto é falta de sensação. Vestir a luva gera a impossibilidade de sentir. Eis o paradoxo proposto pela artista: deixar de sentir, para ressentir. Ou melhor, ser impedido de sentir para recuperar a consciência do sentimento, da percepção, como forma de conhecimento do mundo, como perspectiva da razão. O bloqueio, e não a estimulação, da sensação torna-se a estratégia recorrente na obra de Ligia Clark a partir de 1966 quando a artista realiza as primeiras obras tendo o corpo como suporte (FABBRINI, 1994).
A sensação é de incomodo. Incomodo pela impossibilidade de realizar um gesto tão simples como pegar uma bola de tênis. Gesto corriqueiro, o qual faríamos automaticamente se fossemos solicitados, torna-se um verdadeiro suplício quando tentamos realiza-lo vestindo a grossa luva de borracha forrada por grossa lona.
Minha mão não sente a bola, por isso não calcula corretamente o gesto. A bola escorrega da mão/luva. Mesmo quando, com dificuldade, consigo segurar a bola, é com se não a houvesse pegado, pois não a sinto em minhas mãos.
O que impede a realização deste simples e corriqueiro gesto cotidiano? A falta de tato, isto é falta de sensação. Vestir a luva gera a impossibilidade de sentir. Eis o paradoxo proposto pela artista: deixar de sentir, para ressentir. Ou melhor, ser impedido de sentir para recuperar a consciência do sentimento, da percepção, como forma de conhecimento do mundo, como perspectiva da razão. O bloqueio, e não a estimulação, da sensação torna-se a estratégia recorrente na obra de Ligia Clark a partir de 1966 quando a artista realiza as primeiras obras tendo o corpo como suporte (FABBRINI, 1994).
Diante da perplexidade quase paralisante da Pop art perante o poder da imagem, Ligia Clark compreende que a produção imagética no mundo contemporâneo representa o principal meio ideológico de alienação do homem e faz desta compreensão estética e política da questão da imagem no mundo contemporâneo o programa de suas práticas artísticas. É como se Ligia Clark perguntasse aos seus contemporâneos: Qual o sentido de produzir mais sensações para um homem que, saturado de sensações, aliena-se cada vez mais de seu próprio corpo e por isso mesmo torna-se cada vez mais anti-social?
Instruída pelas teorias psicanalíticas, pelo existencialismo, mas sobretudo pela fenomenologia de Merleau-Ponty (FABBRINI, 1994), Ligia entende não só que a hiper-estimulação causada pelos meios produção e comunicação de massa, e sobretudo pelo discurso da propaganda, são os responsáveis políticos pela alienação do homem, mas entende perfeitamente os mecanismos estéticos pelas quais a alienação política se constrói. Ligia entende que a alienação de cada indivíduo se constituiu como alienação de seu ‘corpo próprio’ (Merleau-Ponty,1994) através do hiper-estímulo sensorial que constrói no indivíduo uma couraça de insensibilidade e apercepção do mundo e de si mesmo, que em última análise é a apercepção do outro e do espaço coletivo. Por esta razão, suas experiências, não se limitam ao estímulo sensorial de indivíduos, porque que isto redundaria inútil estímulo perdido entre todas as estimulações já recebidas pelo homem urbano.
Assim, na vivência das obras-experiências de Ligia Clark o homem urbano é impedido de sentir para recuperar a consciência da sua forma de sentir, para recuperar a consciência de suas formas de perceber o mundo e sobretudo para recuperar sua capacidade de partilhar suas percepções e sentimentos do mundo.
Se as obras de Ligia houvessem estacionado em propostas de ressensibilização de indivíduos, estariam plenamente corretas as interpretações que circunscreve suas obras no circulo do movimento hedonismo sensorialista dos anos sessenta que se tornou precursor do culto fascista ao corpo no qual vivemos hoje. Fascista por instigador de comportamentos anti-sociais.
A observação atenta do paradoxo no qual se move a produção artística de Ligia Clark a partir de 1966, nos leva a interpretação oposta: Ligia Clark busca a construção do corpo coletivo e tem plena consciência política das consequências de sua obra, isto é tem plena consciência que sua obra pretende a reconstrução do espaço coletivo da sociedade esfacelada pela hiper-individualização.
Diante da perplexidade quase paralisante da Pop art perante o poder da imagem, Ligia Clark compreende que a produção imagética no mundo contemporâneo representa o principal meio ideológico de alienação do homem e faz desta compreensão estética e política da questão da imagem no mundo contemporâneo o programa de suas práticas artísticas. É como se Ligia Clark perguntasse aos seus contemporâneos: Qual o sentido de produzir mais sensações para um homem que, saturado de sensações, aliena-se cada vez mais de seu próprio corpo e por isso mesmo torna-se cada vez mais anti-social?
Instruída pelas teorias psicanalíticas, pelo existencialismo, mas sobretudo pela fenomenologia de Merleau-Ponty (FABBRINI, 1994), Ligia entende não só que a hiper-estimulação causada pelos meios produção e comunicação de massa, e sobretudo pelo discurso da propaganda, são os responsáveis políticos pela alienação do homem, mas entende perfeitamente os mecanismos estéticos pelas quais a alienação política se constrói. Ligia entende que a alienação de cada indivíduo se constituiu como alienação de seu ‘corpo próprio’ (Merleau-Ponty,1994) através do hiper-estímulo sensorial que constrói no indivíduo uma couraça de insensibilidade e apercepção do mundo e de si mesmo, que em última análise é a apercepção do outro e do espaço coletivo. Por esta razão, suas experiências, não se limitam ao estímulo sensorial de indivíduos, porque que isto redundaria inútil estímulo perdido entre todas as estimulações já recebidas pelo homem urbano.
Assim, na vivência das obras-experiências de Ligia Clark o homem urbano é impedido de sentir para recuperar a consciência da sua forma de sentir, para recuperar a consciência de suas formas de perceber o mundo e sobretudo para recuperar sua capacidade de partilhar suas percepções e sentimentos do mundo.
Se as obras de Ligia houvessem estacionado em propostas de ressensibilização de indivíduos, estariam plenamente corretas as interpretações que circunscreve suas obras no circulo do movimento hedonismo sensorialista dos anos sessenta que se tornou precursor do culto fascista ao corpo no qual vivemos hoje. Fascista por instigador de comportamentos anti-sociais.
A observação atenta do paradoxo no qual se move a produção artística de Ligia Clark a partir de 1966, nos leva a interpretação oposta: Ligia Clark busca a construção do corpo coletivo e tem plena consciência política das consequências de sua obra, isto é tem plena consciência que sua obra pretende a reconstrução do espaço coletivo da sociedade esfacelada pela hiper-individualização.
Mesmo as primeiras obras focadas na ressensibilização individual, como é o caso da “Luva Sensorial” ou da “Máscara Sensorial” , obras realizadas em 1968, apontam na direção da construção de vivências sensoriais coletivas, pois o indivíduo é ressensibilizado para reaprender a viver coletivamente, isto é para reaprender a compartilhar coletivamente suas percepções e sentimentos do mundo. As obras realizadas na França entre 1970 e 1976 são denominadas significativamente de “Espaço do Corpo Coletivo” demonstra com eloqüência o movimento de suas obras em direção ao aprendizado coletivo das vivências coletivas.
“Seu corpo desbloqueado, diz Ligia Clark, funda um novo campo antropológico: o espaço da infância, do carnaval do rito, das inversões sociais, da terapia; subtraíndo-se à agressão infamante ou à adoração narcísica, revive com intensidade a riqueza de suas faculdades perceptivas. Lygia, com sua arqueologia (inclinada para o fetichismo das origens que reenvia a história à natureza), criou o espaço para a “realização” da “geografia das utopias” (FABBRINI, 1994).
Ao construir esta “geografia das utopias”, Ligia Clark construiu e legou para a cultura humana os meios concretos para uma ação política transformadora e conseqüente que visa mais do que a superação do círculo de fogo da individuação alienada para apontar na direção da construção do corpo coletivo como espaço e tempo da construção da liberdade individual e coletiva, superando assim o dilema político do século XX que nos colocou a obrigação da escolha entre a liberdade individual ou a paz coletiva.
Referências Bibliográficas
FABBRINNI, Ricardo Nascimento; O espaço de Lígia Clark: São Paulo, 1994; Editora Atlas.
MERLEAU-PONTY, Maurice; Fenomenologia da Percepção: São Paulo, 1994; Ed. Martins Fontes.
http://www.lygiaclark.org.br/associacaoPT.asp - acessado em março e maio 2010.