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setembro 27, 2010
Mais realistas do que o rei, curadores decidem censurar instalação "eleitoral" por Marcos Augusto Gonçalves, Folha de São Paulo
Matéria de Marcos Augusto Gonçalves originalmente publicada no caderno Opinião da Folha de S. Paulo em 25 de setembro de 2010
Depois de anunciar que a 29ª Bienal valorizaria as relações entre arte e política (o que se tornou um clichê no circuito das grandes exposições), a curadoria da mostra revelou-se perfeitamente pusilânime nessa matéria ao reagir ao incômodo causado pelo trabalho do argentino Roberto Jacoby.
O artista montou em seu espaço uma espécie de oficina eleitoral, na qual um grupo de pessoas produzia peças que propagandeavam a candidata Dilma Rousseff.
Aviso logo: não pretendo votar na postulante petista; gosto de arte, gosto até certo ponto de política, mas muito raramente gosto dos dois juntos. Considero a proposta de Jacoby um equívoco entre outros do gênero "político" presentes nessa Bienal.
Posto isso, é chocante que os responsáveis pela mostra tenham censurado a obra escudando-se num parecer preliminar de um tribunal secundário, que manifestava a possibilidade, a meu ver estapafúrdia, de se enquadrar o trabalho de Jacoby na legislação eleitoral.
O mínimo que se poderia esperar é que os curadores assumissem a defesa radical do espaço artístico como território de ampla liberdade. Nesse contexto, o intencional caráter político-partidário da intervenção do artista tem que ser avaliado por critérios culturais e estéticos, jamais por dispositivos de uma lei eleitoral -em muitos aspectos, aliás, discutível.
Mas não. A curadoria, talvez atendendo a pressões típicas desses períodos, apressou-se em ser mais realista do que o rei. Depois de fazer uma consulta ao Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo decidiu se antecipar a uma decisão que talvez a obrigasse a suprimir a obra por infringir a lei eleitoral.
PERPLEXIDADE
Que política é essa que a Bienal e os curadores Agnaldo Farias e Moacir dos Anjos estão propondo? Alguém com um pouco mais de espinha sustentaria até as últimas consequências o direito do artista de prosseguir com seu trabalho.
A Justiça que se pronunciasse e a polícia que fosse fazer o serviço que os curadores decidiram diligentemente prestar ao obscurantismo. Alegaram que poderiam ser presos... Ora, que enfrentassem a investida, que defendessem uma causa, que criassem um fato verdadeiramente político!
Para piorar a situação, querem culpar a vítima. Voltam-se contra o artista. Seja na petição que fizeram ao TRE, seja nas declarações à imprensa, acusam Jacoby de tê-los ludibriado. A dupla Anjos e Farias (que convidou Jacoby) adotou o famoso bordão "eu não sabia" ao referir-se ao conteúdo da instalação -o que, na hipótese mais benévola, é um atestado de incompetência.
Farias declarou à Folha que os curadores ficaram "perplexos" diante da instalação do argentino. Estranho. De minha parte, fiquei perplexo diante de tanta frouxidão de princípios.