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setembro 22, 2010
Pedido da OAB-SP é ato assustador de censura por Alexandre Vidal Porto, Folha de S. Paulo
Matéria de Alexandre Vidal Porto originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 21 de setembro de 2010
Nota autoritária fere integridade da curadoria e subestima o público
Tem notícia que assusta. A seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil pedir por nota pública a exclusão de obras da próxima Bienal de São Paulo é uma delas.
O ato é assustador por várias razões. Primeiro, pelo caráter autoritário que revela.
Segundo, pelo entendimento equivocado que o motiva.
Por fim, porque, supostamente, é cometido em nome da defesa do Estado de Direito e das instituições democráticas. O presidente da seccional de São Paulo, Luiz Flávio Borges D'Urso, que assina a nota, perdeu uma boa oportunidade de omitir-se.
As obras que a OAB-SP sugere ocultar fazem parte da série "Inimigos", de Gil Vicente. São desenhos grandes (2 m por 1,5 m) feitos com carvão, nos quais o artista se retrata assassinando autoridades e figuras públicas. Entre as "vítimas", estão o presidente Lula, dois governadores de Pernambuco, a rainha da Inglaterra e o papa.
Segundo a OAB-SP, as obras demonstram "desprezo pelo poder instituído, incitando ao crime e à violência".
D'Urso argumenta que "uma obra de arte, embora livremente e sem limites expresse a criatividade do seu autor, deve ter determinados limites para sua exposição pública. Um deles é não fazer apologia ao crime, como estabelece a vedação inscrita no Código Penal Brasileiro".
Pela lógica de seu argumento, o presidente da OAB-SP considera que representar artisticamente um crime equivale a recomendar sua execução. No entanto, retratar um assassinato não significa fazer apologia ao crime.
É o espectador quem dará significado aos desenhos de Vicente. A obra de arte é apenas uma representação que adquire valor subjetivo para quem a observa.
DIREITO DE DESPREZAR
A despeito do que critica a nota, é legítimo e legal que uma obra de arte represente o desprezo do autor pelo poder instituído. Em um Estado democrático, todos têm o direito de sentir desprezo por qualquer pessoa ou instituição. Desprezar não é crime e, mais importante, todos temos o direito de expressar o desprezo artisticamente.
A prevalecer a linha de raciocínio da nota, talvez se devesse proximamente proibir a exibição de artistas como Hélio Oiticica, que recomendava ao público: "Seja marginal, seja herói".
Mais valioso para o Estado de Direito do que uma cláusula do Código Penal -no meu entender, mal interpretada pelo presidente da OAB-SP- é o espírito da Constituição Federal. Mais importantes são as liberdades e os direitos individuais, que servem de base e fundamento para o Estado de Direito e as instituições democráticas que a OAB-SP pretende defender. A tentativa de controle social por meio da supressão de obras artísticas chama censura. Simples assim.
Caso os organizadores não desistam de exibir os trabalhos, a OAB-SP promete recorrer ao Ministério Público Estadual para pedir a retirada das obras e o indiciamento dos responsáveis por apologia ao crime. A pena prevista é de três a seis meses de detenção ou o pagamento de multa. É ao que se arriscarão os curadores e o presidente da Bienal se quiserem resguardar a integridade do trabalho de concepção e organização da mostra. A nota é autoritária e condescendente. Subestima a capacidade de discernimento do brasileiro. É legítimo perguntar até que ponto representa o entendimento jurídico e a sensibilidade política dos advogados paulistas.
Em qualquer hipótese, até o momento, o que parece atentar contra o Estado de Direito e as instituições democráticas não é a exibição das obras de Gil Vicente na Bienal, mas, sim, o teor da nota pública assinada por D'Urso. A OAB-SP errou e precisa admitir seu equívoco.
Leia-se: Artistas não conhecem o princípio de isonomia.
Posted by: Adalberto Josué do Amaral at setembro 26, 2010 7:06 PMIsonomia na ficção?
Então, temos que tirar do mercado videogames, seriados de tv, filmes, romances...
Francamente...
em todo mundo acontecem situações onde o conteúdo de algum trabalho é apontado como inadequado. nem Nan Goldin escapa de debates sobre o conteúdo pornográfico de seu trabalho. nesses casos, anuncía-se que determinado trabalho está sendo estudado em relação a determinado conteúdo, acontecem debates democráticos em várias esferas, e eventualmente uma obra é retirada de uma expo. tudo isso transcorre sem truculência.
no fim temos o lucro do debate sobre arte e seus conteúdos no meio social onde vive.