|
setembro 14, 2010
Arte pública, a nova cara do Parque do Ibirapuera por Marina Vaz, O Estado de S. Paulo
Matéria Marina Vaz originalmente publicada no caderno Cultura do jornal O Estado de S. Paulo em 14 de setembro de 2010.
Nos últimos meses, surgiram diversos murais e agora o parque receberá uma nova escultura
Para Oscar Niemeyer, a arquitetura deve estar integrada às artes plásticas. Hoje, 56 anos depois da inauguração de seu projeto do Parque do Ibirapuera, essa integração pode ser vista na prática: o local conta com quatro museus (MAM, MAC, Museu Afro Brasil e Pavilhão das Culturas Brasileiras), além da Oca e do Pavilhão da Bienal. A vocação artística do Ibirapuera ganhou reforço, nos últimos meses, com a instalação de novas obras em espaços abertos do parque, incluindo murais de Tony de Marco, Carla Barth, Osgemeos e Chivitz.
Enquanto alguns artistas preparam suas criações que serão expostas ao ar livre na 29.ª Bienal Internacional de São Paulo, o artista Stephan Doitschinoff finaliza a escultura A Mão, o que reforçará ainda mais os números de arte pública no parque. A peça, de 1,80 m, será instalada perto da entrada do Museu Afro Brasil e tem inauguração prevista para outubro, em data ainda a ser definida.
A obra, que ali ficará exposta durante um ano, segue a linha de murais, telas e instalações do artista, sempre ligados ao sincretismo religioso.
Para compor a peça, Doitschinoff se inspirou no livro A Mão Afro Brasileira, de 1988, organizado por Emanoel Araujo, hoje diretor do Museu Afro Brasil. "O livro levanta de que maneira uma ‘mão negra’ contribuiu para a cultura brasileira", diz ele.
Paulista conhecido como Calma, Doitschinoff nasceu em 1977. Em 2005, mudou-se para Lençóis (BA) e pintou casas e muros da cidade. Em 2006, ganhou o prêmio Jabuti pelas ilustrações do livro Palavra Cigana (Ed. Cosac Naify). Em 2009, expôs no Masp e foi eleito artista revelação pela APCA. Doitschinoff fala ao Estado sobre o novo trabalho.
A figura da mão está sempre presente em sua produção. Como ela surgiu?
Tudo começou por causa da quiromancia. Sempre admirei muito adivinhação, de ver o futuro em borra de café, de jogar búzios, ler a mão. A base de tudo isso é ter fé em uma ação que é totalmente nonsense. Comecei a trabalhar com a imagem da mão, a dividi-la em linhas e a desenhar nelas. Isso foi na mesma época em que me mudei para a Bahia e comecei a estudar a cultura afro, o sincretismo, e como isso influenciou a cultura brasileira. Pouco depois, conheci a obra do Emanoel Araujo, A Mão Afro Brasileira. E aí juntei tudo.
Você sempre trabalha com muitas simbologias. Quais são as desta obra?
Há uma ampulheta com asas e duas tochas cruzadas e viradas para baixo. A ampulheta quer dizer "a vida é curta"; as asas, "o tempo voa"; e as tochas, "a morte é certa" - é um mantra que os monges pronunciavam, contemplando uma caveira. E as letras dos dedos são as iniciais de uma expressão em latim que significa "não procure do lado de fora, a verdade se encontra dentro do homem".
Você incorporou à peça símbolos da cultura afro?
Não há nenhum símbolo do candomblé, por exemplo. O meu estudo engloba o sincretismo, mas não uso esses símbolos porque, para usar um símbolo de poder, de fé, você tem de conhecê-lo de verdade. Estudo o cristianismo desde criança, então me sinto livre para usá-lo.
É a primeira vez que você trabalha com cerâmica. Por que a escolha desse material?
Quis fazer uma ligação com o popular, com a ancestralidade e também com a África em si. Acho que a cor da terra simboliza muito bem a África.
O prêmio que você ganhou por edital do Ministério da Cultura e que viabilizou a escultura A Mão também incluía um mural.
Ele foi feito em julho. O mural fez parte de um projeto com duas instituições de Osasco, uma de reabilitação de usuários de álcool e drogas e outra de inclusão social de pessoas em situação de rua. Eles acompanharam a confecção da minha escultura, fizemos visitas ao Museu Afro Brasil, eu falei sobre meu trabalho e eles falaram sobre o trabalho de artesanato deles. Pelo projeto, eles fariam um mural inspirado no meu trabalho em um local decidido por eles. E eles escolheram as próprias sedes das instituições que frequentam.
Na hora de criar a escultura, teve algum cuidado pensado especialmente para a interação com o público?
Geralmente, minhas peças são muito delicadas, mas nesta, de cerâmica, as pessoas podem interagir, tocar. Isso é importante porque fazer obras para dentro do museu é lindo e as possibilidades são maiores. Mas há uma coisa muito especial na obra pública, que é atingir o público de uma maneira até subliminar, porque as pessoas estão lá, jogando bola, passeando, namorando, e vão interagir com a obra.
Sua experiência em Lençóis (BA), onde viveu durante três anos e pintou casas, pode ser considerada um bom exemplo de arte pública. Em que ela influenciou seu jeito de fazer arte?
Lá, foi a primeira vez em que eu pensei nas pessoas que veriam aquela obra. Quando eu pintava em São Paulo, fazia coisas muito mais agressivas. Como a cidade é muito gigante, dificilmente quem faz uma obra pública vai conhecer quem mora ali. Em Lençóis, convivendo com as famílias e influenciado por suas crenças, comecei a levar isso em consideração. Aliás, muitas vezes, essa era a primeira coisa que eu levava em conta.