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Como atiçar a brasa

 


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setembro 13, 2010

Rio traduz língua de Lenora de Barros por Silas Martí, Folha de S. Paulo

Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 13 de setembro de 2010.

Artista revisita poesia concreta e linguagem pop em conjunto de vídeos dos últimos 25 anos em retrospectiva

Performances gravadas serviram de suporte para experimentos com carga visual extrema de herdeira dos concretos

Lenora de Barros lambe e mastiga o tempo e as palavras. Digere presença visual e dimensão sonora dos vocábulos com fome concreta.

Desde que bateu com a língua um poema numa máquina de escrever, no final dos anos 1970, a artista não perdeu a vontade de destrinchar no espaço e no tempo a reverberação de letras e versos.

"Meu conceito de antropofagia foi ter essa postura em relação a questões nossas, à poesia concreta", diz a artista à Folha no café do Oi Futuro, no Rio, onde abre hoje uma retrospectiva. "Era tentar esticar o tempo em palavras."

Nos fotogramas do vídeo, sequência por sequência, ela encontrou uma nova métrica para essa espécie de língua expandida. Essa parte de sua produção, ao longo dos últimos 25 anos, aparece revista agora em mostra no Rio.

"Nunca fui poeta concreta, nem poderia ser", conta. "Mas, a partir do momento em que comecei a trabalhar com palavras, a questão era levar para o espaço os aspectos sonoros e visuais delas."
Mas ela nunca faz tudo ao mesmo tempo. Barros articula um jogo de idas e vindas entre a sonoridade mínima e uma carga visual extrema.

Numa sala escura, uma gravação da voz da artista recita um texto em que alinhava palavras que encerram o termo "ver". É um vácuo visual cheio de som operando como alicerce da imagem.

Do lado de fora da sala, num espaço iluminado, as oito letras da palavra "silêncio" aparecem fotografadas sobre a língua da artista. Um vídeo mostra cada uma sendo pregada com toda a fúria de dentro para fora da boca.

"Essa questão da língua está na origem e dentro do meu trabalho, é a língua como símbolo de linguagem", resume a artista. "Queria fazer um poema em que a língua fecunda a linguagem, quase uma relação sexual."

PRESENÇA FÍSICA
Nesse ponto, ela precisa do corpo. Da boca e dos olhos à planta dos pés, a obra de Barros não se desassocia da presença física da artista.

Em seu primeiro vídeo, ela repete uma performance fotográfica em que escovava os dentes até a espuma da boca cobrir todo seu rosto. Fundia a análise da vida pautada pelos artistas conceituais a um imaginário pop que tinha no corpo um suporte plástico atraente para a época.
Mais tarde, faz quatro vídeos em que cobre o rosto com um gorro de tricô que vai desfiando ao som de um discurso. São falas que oscilam entre dizer e não dizer, o que ela chama de "tentativa de perseguir tempos absurdos".

Até que ela morde a língua. Numa fotografia que depois virou vídeo, ela mastiga a língua, expressando essa fome prensada entre os dentes. Mostra então que seu corpo não é presença carnal, mas uma espécie de pele da imagem desse discurso.
E, no fim, fica só a dúvida. No último vídeo da mostra, ela tira da boca um papel que diz: "Eu não disse nada".

Posted by Cecília Bedê at 1:42 PM