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agosto 19, 2010
As idades de Anita por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé Independente em 19 de agosto de 2010.
Retrospectiva no CCBB Rio expõe as muitas faces de Anita Malfatti, de protagonista do modernismo ao retorno à ordem
É comum ver na biografia de artistas modernos, ativos na primeira metade do século XX, uma evolução do academicismo ao abstracionismo. Sempre se sustentou que era preciso conhecer a ordem para poder corrompê-la. A regra não se aplica, no entanto, a Anita Malfatti, reconhecida pioneira do modernismo no Brasil. Nos 40 anos que separam “O Farol” (1915) de “O Batizado”, a pincelada inquieta e expressionista acalma-se em um silencioso “retorno à ordem”. Autora de algumas das maiores e melhores obras polêmicas da arte brasileira, como “A Boba”, “O Homem Amarelo”, “O Homem de Sete Cores” e “Nu Cubista”, Anita teve várias personalidades artísticas que podem ser conferidas na exposição “Retrospectiva Anita Malfatti”, com curadoria de Luzia Portinari Greggio.
Os primeiros anos de trabalho mostram uma Anita naturalista-impressionista que pintava burrinhos correndo e retratos de familiares, mas que já demonstrava uma forte vontade de se desgarrar da previsibilidade da forma acadêmica. O segundo módulo apresenta a Anita expressionista, que escandalizaria a sociedade paulista entre 1915 e 1922, despertando a ira do crítico Monteiro Lobato e a adoração de um grupo de jovens rebeldes que promoveriam uma revolução cultural com a Semana de Arte Moderna de 22. A irreverência de Anita arrefece no período entre guerras, como acontece com boa parte dos artistas modernos europeus, e ela começa então a manifestar uma influência de Matisse e de Bonnard, produzindo uma pintura mais suave aos olhos e aprazível aos ânimos.
Essa guinada de volta à ordem não teria mais retorno e uma Anita bem-comportada predomina na produção dos anos 30, 40 e 50.
A paisagem interiorana, que nos anos 20 foi representada de forma tão inovadora por Tarsila do Amaral, volta apaziguada pelas cores pálidas de uma Anita naïf, amante dos temas florais, e de uma Anita academicista, autora de “Época da Colonização”, que tanto desagradou a Mário de Andrade.
Mas sua retrospectiva, hoje, não se presta a promover mais um julgamento de uma obra que já foi severamente escrutinada tanto
por Lobato quanto por Andrade. Com 120 trabalhos reunidos de 70 museus e coleções particulares brasileiras, configura-se aqui o mérito do mais amplo espectro de uma vida e de uma obra.