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agosto 12, 2010
Coleção Pirelli se volta a artistas do Pará e da Bahia por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S.Paulo em 11 de agosto de 2010.
No vale do Amanhecer, fiéis se vestem como reis e rainhas. Guy Veloso extrai dessa devoção alegórica um preto e branco faiscante, luz que estoura os limites da fotografia e parece descascar a película até o pó de prata.
Suas imagens agora no Masp, entre as aquisições atuais da coleção Pirelli, resumem a força da seleção de artistas da Bahia e do Pará.
Veloso, paraense escalado para a próxima Bienal de São Paulo, registrou homens e mulheres de um dos templos da doutrina. Olhos abertos formam um contraponto entre a crueza da fotografia e a teatralidade barroca da seita.
São olhares em êxtase que ultrapassam os limites desse claro-escuro, numa vertigem quase colorida. É o mesmo salto de Bauer Sá, baiano negro que só fotografa negros. Preto sobre preto, suas construções lembram a pegada contraditória do minimalismo de Mario Cravo Neto, que oscilava entre densos monocromos e a volúpia do Carnaval e do candomblé.
Mas vai além dessa lembrança. Pele e olhos na obra de Sá vêm com a plasticidade de Robert Mapplethorpe e os excessos de Richard Avedon -hibridismo que ecoa a miscigenação do ponto onde a África se juntou à América.
É a mesma marca de Mariano Klatau Filho, paraense que funde em suas imagens sequências de fotografia real, reproduções de pintura e quadros de filmes e vídeos.
Uma paisagem marítima roça o retrato de um garoto à luz do sol. Noutra montagem, uma tela de Edward Hopper, mulher nua que olha pela janela, se separa de uma cena de "21 Gramas", com Sean Penn pelado e sozinho fumando um cigarro. Parecem estar todos naquele mesmo ponto entre a fantasia e a devoção.