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agosto 10, 2010
Formas do infinito por Adriana Martins, Diário do Nordeste
Matéria de Adriana Martins originalmente publicada no Caderno 3 do jornal Diário do Noredeste em 10 de agosto de 2010.
"O Número", exposição do artista pernambucano José Patrício, tem abertura hoje, no Centro Cultural Banco do Nordeste
Da fruição estética à reflexão sobre temas complexos como morte, infinito e vazio. Esse é o caminho percorrido pela obra do pernambucano José Patrício, cuja exposição "O Número" será aberta hoje à noite, no Centro Cultural Banco do Nordeste-Fortaleza. Com curadoria de Paulo Herkenhoff, a exibição reúne os principais trabalhos do artista nos últimos seis anos.
Em vez de tinta e pincel, Patrício foi buscar em matérias-primas menos ortodoxas o fundamento de sua arte. O pernambucano já trabalhou com papel, botões, peças de bijuteria, bonecos e outros objetos, utilizados como módulos que se repetem para formar diferentes composições geométricas.
Dentro de um processo contínuo de experimentação e pesquisa, em 1999 o artista adotou as pedras de dominó para a realização de suas composições. As pecinhas tornaram-se marca definitiva em sua obra.
"O módulo é um elemento que existe individualmente. Pode ser uma peça de dominó, um dado, um botão. Procuro então diversas formas de agrupar esses módulos para conseguir a ideia de totalidade, algo que represente o todo", explica.
Além das obras fixas, com peças de dominó coladas em suportes de madeira, há os enormes painéis efêmeros, montados e desmontados a cada exibição. "Aqui no BNB, por exemplo, temos uma instalação chamada ´Expansão Múltipla´, montada no piso de uma área ao lado do hall. O local é ideal porque a obra pode ser visualizada do primeiro andar, de forma mais inteira", ressalta o artista.
Dominós aos milhares
É a segunda vez que "Expansão" é exibida ao público - a primeira foi na Pinacoteca do Estado de São Paulo. "Uso milhares de pedras de dominó. Aqui elas foram montadas em quatro dias, com a ajuda de uma equipe", revela. Segundo Patrício, cada quadrado desse grande "tapete" é feito com jogos de 28 pedras iguais, separadas previamente (pedras só com os números 2 e 4, ou 5 e 3, por exemplo). "Assim, crio ritmos e estruturas distintas", detalha.
A aparente oposição entre matemática e arte é um dos aspectos interessantes do trabalho de Patrício, e ponto de partida para outras reflexões. "Para construir a obra, preciso fazer cálculos, ver quantos jogos de dominó vou precisar para fazer um quadrado, por exemplo. Se faltar uma única pedra, esse trabalho de precisão e concisão não é possível", enfatiza.
Ainda assim, segundo ele, a matemática entra como coadjuvante. "Temos uma regra básica, mas a distribuição das pedras é feita em total liberdade. Estamos lidando com duas coisas: o projeto, a definição do que vai ser a obra, e a liberdade dentro desse projeto. Assim, a peça torna-se completamente diferente a cada vez que for montada", justifica.
Além da grande instalação próxima ao hall, a exposição no CCBNB conta ainda com mais duas instalações. Uma delas, chamada "Jogo Cor", é interativa. "São quatro mesas coloridas, cada uma com quatro cadeiras, pintadas com quatro cores: amarelo, vermelho, azul e verde. Em cada mesa há um jogo de dominó. A ideia é as pessoas sentarem e jogarem, participarem da obra".
A segunda instalação chama-se "Zero Jogo" e traz exatamente o oposto da anterior. "Trata-se de uma mesa com dois bancos sobre a qual há um jogo de dominó apenas com peças de número zero. Isso remete à impossibilidade do jogo, não há espaço para o desejo de ganhar", explica Patrício.
Evolução
Além das instalações, a exposição reúne mais de vinte obras de parede. "Essa é a grande exposição da minha carreira, e a segunda vez que exponho em Fortaleza. A primeira foi em 2003, no Museu do Centro Cultural Dragão do Mar", recorda
Assim, ´O Número´ revela a evolução do trabalho de Patrício. "Trata-se de uma obra extremamente singular. Pensamos nessa exposição como uma síntese do momento de maturidade dele. O critério foi trazer as melhores peças e, ao mesmo tempo, mostrar a diversidade de linguagens", ressalta o curador Paulo Herkenhoff.
Ao revisar os últimos anos da carreira de Patrício, a exposição também contribui para revelar as principais reflexões suscitadas pelo artista. "Várias peças demonstram que ´tudo muda o tempo todo´, como diz a música. Isso é algo recorrente em meu trabalho. Uso as mesmas quantidades de pedras, mas o resultado final é sempre diferente".
Patrício também ressalta que as obras transitam entre o "um" e o "todo". Assim, elas apontam para a infinitude, "coisa que talvez não alcancemos em pensamento objetivo", analisa. Para Herkenhoff, há questões ainda mais complexas embutidas no trabalho do recifense. "Patrício compreende que o inconsciente numérico é parte da civilização moderna, com suas estatísticas, cálculos, percentuais", observa.
Para o curador, a "poética do número criada pelo artista sugere reflexões sobre temas existenciais. "Por exemplo, o zero refere-se ao vazio. Ora, não teríamos o vazio dentro de nós?", questiona. "Por outro lado, essa acumulação de pedras de dominó remonta ao indizível, ao infinito, que em determinado nível significa nosso próprio confronto com a vida e a morte".
FIQUE POR DENTRO
Trajetória
NASCIDO EM 1960, o pernambucano José Patrício estudou na Escolinha de Arte do Recife, de 1976 a 1980, orientado pela gravadora Thereza Carmen Dias. Cursou Ciências Sociais e, sob a orientação de outro gravador, José de Barros, frequentou o Ateliê Livre de Gravura em Metal, do Centro de Artes da UFPE. Realizou em 1983 sua primeira individual e, dois anos depois, recebeu prêmio de artista mais promissor do Salão de Artes Plásticas de Pernambuco. Entre 1994 e 1995 viveu em Paris, estagiando no Atelier de Restauration d´ Art Graphique do musée Carnavalet.