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agosto 6, 2010
Quinta universal por Nina Gazire, Istoé
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na Istoé em 30 de julho de 2010
O artista Marepe realiza individual em que relembra a infância no interior da Bahia e resgata símbolos perdidos da cultura do sertão
Imagine encontrar, expostos como objetos de arte, os tão familiares filtros de barro, populares em qualquer cozinha brasileira, dentro de uma galeria em Nova York. “Eu me aproprio de objetos que fazem parte do imaginário brasileiro, são objetos do cotidiano que acabam se tornando universais”, reflete Marcos Reis Peixoto, o “Marepe”, sobre a própria produção artística. No início da carreira, no final da década de 1980, resolveu unir as três primeiras sílabas do nome e passou a usar a alcunha Marepe, em homenagem aos pais. Natural de Santo Antônio de Jesus, cidade do Recôncavo Baiano, já participou da Bienal de Veneza, expôs no Centro Pompidou, em Paris, e na Tate Modern, em Londres, realizando uma arte feita “à base” de itens da cultura popular nordestina, que acabam por ganhar o mundo ao ser deslocados de seus contextos de origem.
O artista usa constantemente os símbolos da cultura do Recôncavo Baiano, como suas famosas “Cabeças Acústicas”, inspiradas na Concha Acústica, local tradicional de shows de axé, em Salvador. Em sua nova exposição, “Os Últimos Verdes”, na Galeria Luisa Strina, em São Paulo, Marepe agora pensa a ótica da cultura popular sob o viés da ecologia e de memórias nostálgicas. Executa uma série de objetos e instalações que resgatam os símbolos de sua infância no interior, lembrando de suas visitas ao sertão onde a avó morava, bem como suas brincadeiras nos quintais dos vizinhos.
A mobília revisitada do passado inclui as “Camas de Vento”, ou camas dobráveis, que eram de uso comum em zonas rurais da Bahia, e das quais o artista se apropria colocando asas em suas cabeceiras. “Coloquei as asas nas camas para fazer uma referência também aos passarinhos da região – o sete-cores, os cardeais –, que eram aves comuns e não existem mais por aqui, bem como as camas, que não são usadas mais”, diz o artista.
Já “Pé de Chuchu” remete ao antigo costume de plantar o vegetal nos quintais das casas do interior e também aos bonecos feitos com a planta cortada em palito. Trata-se de uma instalação que apresenta um pé de chuchu artificial, em que os frutos são alimentados por energia elétrica. A intenção é fazer um paralelo entre o ambiente doméstico da infância e os quintais atuais, que são cimentados e possuem poucas plantas. “Lembro que na minha infância o vizinho tinha um pé. Entrávamos naquela cerca e para mim era fascinante ver os chuchus de vários tamanhos. A gente usava aquilo para brincar e para mim os pés tinham uma forma meio plástica”, comenta.
Pode-se dizer que a arte de Marepe é, antes de tudo, cria direta dos ready-mades de Duchamp e dos objetos pop da cultura americana de Andy Warhol. Como Marepe, outros artistas brasileiros, como Rivane Neuenschwander, Cildo Meirelles, Nelson Leirner e Hélio Oiticica, praticaram essa apropriação profana do popularesco adaptando seu gesto à cultura brasileira. Talvez o diferencial dos objetos deste artista esteja no fato de eles representarem um universo simbólico ainda mais periférico (aos grandes centros) e longínquo (da região Sudeste). Afinal, mesmo com todo seu sucesso artístico, Marepe continua vivendo em Santo Antônio de Jesus e seus “últimos verdes” afirmam-se como peças de resistência ao avanço da globalização e de uma arte da diáspora.