|
agosto 6, 2010
Raul Mourão cria esculturas pendulares por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de São Paulo em 4 de agosto de 2010.
Galeria exibe formas geométricas feitas em aço que balançam no ar num ritmo controlado pelo próprio peso
Artista carioca que já fez o presidente Lula de pelúcia muda para rota formalista com obras que falam sobre tempo
Uma vertigem metálica domina o espaço. São prismas, cubos e retângulos vazados, arestas de aço equilibradas em pontos fulcrais.
Balançam no ar, num ritmo ditado pelo próprio peso. Raul Mourão ocupa o espaço com seus esqueletos pendulares. Na individual que abre amanhã na Nara Roesler, suas obras adensam traços do desenho, materializam a forma ao mesmo tempo que emolduram o vazio.
"Tem esse caráter gráfico mesmo", diz o artista. "É um equilíbrio instável, uma ação que dá certa vertigem." É como se traduzisse para três dimensões as linhas desenhadas sobre o papel. Mas, nessa transposição, a forma se desdobra também em movimento, como se todo o potencial do traço fosse contido nesse vaivém geométrico. "Faço uma composição de formas", descreve Mourão.
"É a busca da beleza ali, empilhando um cubo no outro." Destoa de outras buscas desse artista, que já construiu carros e até a imagem do presidente da República em pelúcia. Mourão aqui muda para uma rota formalista, descarta resquícios literais.
Único dado concreto ou medida é o tempo. Cada escultura tem como título a duração em minutos e segundos do movimento pendular que percorre no espaço. De certa forma, "20'46"", "57'44"" e outros tempos são registros mensuráveis de algo efêmero, a tentativa de preservar um ato único, desafiando mesmo o acaso, como se atrito, fricção e temperatura não fizessem oscilar esses intervalos mecânicos.
Nesse ponto, sua vertigem silenciosa lembra "4'33"", célebre música sem música de John Cage, partitura que indicava à orquestra que não tocasse o instrumento ao longo de seus três movimentos.
Tempo aparece como a mais concreta das dimensões, dispensando, no primeiro, a medida espacial e, no segundo, o peso do som. "Tem um certo clima de concerto", diz Mourão. "São essas coisas se mexendo."