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agosto 3, 2010
Mundos redescobertos por Pollyanna Diniz, Diário de Pernambuco
Matéria de Pollyanna Diniz originalmente publicada no Caderno Viver do Diário de Pernambuco em 3 de agosto de 2010.
Inspiração // A passagem de Vicente Yáñes Pinzón pelo Brasil, antes de Cabral, é mote de exposição no Santander Cultural
Prepare-se para uma viagem. Daquelas que vão além das direções e trajetos apontados, por exemplo, na cartografia náutica. Que transcendem os limites geográficos, históricos e também espaciais. Qual a relação entre a chegada da embarcação do espanhol Vicente Yáñes Pinzón ao Brasil, cerca de três meses antes do português Pedro Álvares Cabral, e a arte contemporânea. Difícil? Não sob o olhar artístico. Relações objetivas e subjetivas que podem ser vistas a partir de hoje à noite, na exposição Novos mundos novos, que será aberta no Santander Cultural, antes Instituto Cultural Banco Real, no Bairro do Recife.
"Foi um desafio partir de um personagem pouco conhecido, falar de arte e rever fatos arraigados no imaginário da população", explica um dos curadores da mostra Gilberto Habib Oliveira, ao lado do historiador José Luiz Mota Menezes. Logo no início da exposição, aliás, a contribuição do historiador: mapas e registros da época em que a ciência se apropriava da artepara preencher um 'vazio' científico e cultural. Nesses mapas, espaços em branco tornam-se coloridos. Ganham araras, índios e até um camelo.
Mas o marco histórico é apenas uma referência para uma exposição que reúne 41 obras de 17 artistas nacionais e internacionais em vários suportes: pintura, fotografia, escultura, instalação, vídeo. Afinal, o que é o novo? O que, teoricamente é velho, pode ser muito mais novo. E o mundo novo se constrói de forma contínua num espaço temporal difícil de ser definido. Os cenários retratados pelo fotógrafo Caio Reisewitz, por exemplo, não precisam de uma data específica. Pode ser a Guanabara de 1500. Ou uma casinha de palafita cercada por rio e mata nos dias de hoje. "O artista constrói um olhar, mais do que registra o clique", analisa Oliveira.
Entre os artistas que participam da mostra, seis pernambucanos: Francisco Brennand, Eudes Mota, Samico, João Câmara, Marcelo Silveira e Paulo Meira. Eudes Mota, por exemplo, pinta As fases da lua, astro tão utilizado como guia nas navegações. Ou xilogravuras de Samico. Aqui os seres ganham ares mitológicos. "Se os mapas foram perdendo a imaginação, essas imagens vieram parar em obras como essas", complementa o curador. Há ainda a obra, uma acrílica e óleo sobre madeira, de João Câmara. Uma cabra que pousa na figura de Robinson Crusóe, tendo o mar no horizonte.
Reflexões mais abstratas podem ser vistas nas instalações da espanhola Ana Crespo, duas obras da série O banquete nupcial de Vênus e Canopus - Vênus, a morada de José, intérprete dos sonhos. Papeis de seda repousam no chão ou numa mesa. "Ana se baseia nos poemas persas, que era a literatura disseminada na época dos descobridores. E ainda fala do romance entre uma estrela e um planeta", diz. Outro espanhol que está na mostra é Antoni Muntadas, um dos mais renomados artistas contemporâneos espanhóis da atualidade. Sua videoinstalação La siesta/The nap/ Dutie se apropria de imagens feitas por um holandês contratado pelo Partido Comunista para filmar situações sociais em vários lugaresdo mundo.
No primeiro andar do prédio, um símbolo da cidade de Brasília. Que mais parece uma âncora no meio da sala. De um lado, lê se Novaes Mundus Brasília. Do outro, Brasília Teimosa. Novos mundos que talvez não tenham obtido tanto sucesso. Que criam e reproduzem outros por todo o país. "Nunca tinha vindo ao Recife, mas conheci Brasília Teimosa através do cinema e me marcou muito. Minha obra sempre faz referência a lugares e quando fui convidado, queria fazer uma relação com Pernambuco", explica o artista. Nessa mesma sala estão talvez as obras mais instigantes da exposição. As fotos do norte-americano Lester Weiss. Uma delas traz um olhar sobre o olhar. Da janela do ônibus, passageiros se voltam ao mar. Ou os reflexos captados na Avenida Paulista.
Também usando como suporte a fotografia, Choque Photos, como assina o artista, traz o resultado de seu trabalho acompanhando grupos de pixadores em São Paulo. Ou conflitos sociais. A imagem da cidade vista de cima. Seja do alto do prédio ou do conglomerado de favelas. Este novo mundo, como mostra o vídeo de Paulo Meira, têm marcos que são pessoais, individualizados. E as engrenagens se movimentam em várias direções. "Pensar um novo mundo sem pensar novas gentes e novos olhares é impossível", conclui o curador. A exposição estará aberta até o dia 31 de outubro. A visitação é de terça a quinta, das 14h às 20h; e de sexta a domingo, das 14h às 22h. A entrada é franca.