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julho 27, 2010
Herdeiros X artistas por Ana Cecília Soares, Diário do Nordeste
Matéria de Ana Cecília Soares originalmente publicada no Caderno 3 Cultura do jornal Diário do Nordeste 25 de julho de 2010.
Não é de hoje que impasses envolvendo leis e contratos conferem aos herdeiros de artistas falecidos um poder desmedido sobre bens que possuem evidente dimensão pública. A ausência da obra de Lygia Clark da Bienal é um dos episódios mais recentes envolvendo essa questão
A retirada da obra "Caminhando", de Lygia Clark (1920-1988), do conjunto de trabalhos que a partir de 25 de setembro irão compor a 29ª Bienal de São Paulo reacende a polêmica sobre a urgência de revisão da lei de direitos autorais no País. Segundo Agnaldo Farias, um dos curadores do evento, em entrevista publicada pela Revista Isto É, no dia 16 de julho, a exclusão foi ocasionada por imposições da "Associação Cultural O Mundo de Lygia Clark", dirigida pelos herdeiros da artista.
"Lygia Clark para nós é um emblema, é uma inventora. Ela criou algo chamado ´Caminhando´, que é um exercício democrático, acessível a qualquer pessoa. A obra é uma fita de Moebius e acontece na medida em que o público recorta o papel. Foi criada em 1963, quando Lygia dizia que a arte não deveria só ser contemplada com olhos, mas traduzida em experiências. Mas um pacote de condições impostas pelos responsáveis por seu espólio - a proibição de que determinados críticos escrevessem sobre sua obra no catálogo, a garantia de que as bobinas de papel seriam repostas exclusivamente por ´courriers´ enviados do Rio de Janeiro e a cobrança de R$ 45 mil, levou a curadoria da Bienal a desistir da obra", declarou.
O curador revelou que a Fundação Bienal de São Paulo até poderia pagar o valor estipulado pelos familiares, mas, em consideração à artista e ao seu trabalho, resolveu não aceitar. "Tínhamos o dinheiro, mas decidimos que não poderíamos chegar a esse nível de concessão. Isso era trair a memória da Lygia Clark. O interesse argentário sobrepõe-se a um interesse cultural. E familiares estão contribuindo para a desaparição dessas produções".
Agnaldo Farias também destacou em seu depoimento a Isto É o efeito multiplicador da Bienal sobre o público não especializado, uma vez que o evento chega a atingir 40 mil professores de escolas públicas. "O patrimônio de um País é isto. É absolutamente ridículo que o Brasil continue, nessa altura do campeonato, sendo exportador de petróleo e minério. Temos que exportar nossa inteligência", disse.
A polêmica gerada pela retirada da obra da Bienal repercutiu em vários meios de comunicação. No início de junho, a Folha de São Paulo, por exemplo, publicou uma declaração polêmica de Álvaro Clark, filho da artista, responsável pela direção da "Associação Cultural O Mundo de Lygia Clark". "Minha mãe nasceu rica, casou com homem rico e, na separação, recebeu 86 apartamentos, que ela foi vendendo um a um, para fazer a obra dela. Só não morreu pobre porque eu ajudei. Muitas vezes não comemos goiabada com queijo porque ela não tinha dinheiro para a feira. A gente cobra porque é preciso, para manter a obra dela".
Exposição em Fortaleza
Não apenas na 29ª Bienal de São Paulo a participação da obra e o uso da imagem de Lygia Clark foram impedidos por desacordo com familiares. Recentemente, em Fortaleza, assistimos a um episódio como esse, envolvendo os herdeiros da artista.
De 17 de abril a 7 de maio, o Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB) manteve em cartaz a mostra "Do objeto ao acontecimento", em que foram exibidos 17 filmes sobre o Neoconcretismo e a Nova Objetividade Brasileira, a partir das últimas proposições artísticas desenvolvidas por Lygia Clark.
Com curadoria de Suely Rolnik, uma das maiores especialistas na obra de Lygia, a exposição trazia depoimentos de artistas, intelectuais, amigos e pessoas que passaram por seu set terapêutico - entre elas os cantores Jards Macalé, Caetano Veloso, e o poeta Ferreira Gullar.
A pesquisa de Rolnik ganhou reconhecimento internacional e algumas exposições na Europa. Mas, quando foi montada em Fortaleza, a curadora recebeu uma notificação de "O Mundo de Lygia Clark" para a retirada do nome da artista do título da exposição, de textos e catálogos. Para que o nome constasse do material gráfico, a associação cobrava R$ 40 mil.
A coordenadora do Núcleo de Artes Visuais do CCBNB, Jacqueline Medeiros, recorda que a intimação foi motivo de surpresa e, também, de frustração. "Ficamos perplexos porque na exposição não tinha nenhuma obra de Lygia Clark, imagem da artista ou de alguma obra sua. Na verdade foi uma mostra de vídeos com depoimentos de pessoas da arte que vivenciaram de alguma forma as experiências da última fase da artista. São 17 vídeos cujo título é ´Lygia Clark, do Objeto ao Acontecimento´. Foi patrocinado pelo Minc/Ancine, mas os vídeos não puderam ser mostrados com o título".
Medeiros explica que, depois da exposição montada, receberam uma carta da "Associação Cultural O Mundo de Lygia Clark" informando que teriam que pagar para colocar o título dos vídeos e textos da curadora em que constasse o nome da artista.
"O não pagamento nos obrigou a retirar o nome de todos os impressos. Apesar da exposição acontecer, não pudemos colocar as informações mínimas de contextualização nas paredes e no folder. Só pudemos fazer isso por meio da pessoa do educativo que interagia com os visitantes. Hoje, os vídeos estão disponíveis na nossa biblioteca para serem assistidos por qualquer pessoa. A formação pelo acesso à arte é um dos objetivos do CCBNB. Assim, já fizemos exposições relevantes para o entendimento da arte contemporânea, como a ´Tropicália´ com a obra de Hélio Oiticica, aliada a seminários e filmes".
Medeiros defende que as discussões sigam a direção da efetividade da atuação dessas fundações ou associações a respeito do cumprimento de seus objetivos, considerando as questões sobre a apresentação da obra dos artistas em exposições, abertura do acervo para pesquisa e edição de publicações. "Se preservam a vida e a obra do artista, como essas obras estão sendo mostradas no Brasil ou no exterior? O conceito dessas obras está mantido? Quantos pesquisadores estão estudando suas obras? Qual o estímulo que essas famílias estão dando para que esses acervos sejam estudados e publicados no Brasil? Pelo menos em dois mestrados em que frequento aulas no Rio, só tenho conhecimento de pesquisa sobre Hélio Oiticica".
A obra de Lygia Clark saiu da Bienal porque o seu curador assim quis.
As primeiras matérias que li, ele dizia que não tinha o dinheiro, agora ele diz que tem, portanto aonde esta a verdade? E se ele tinha é porque o valor cobrado pelos herdeiros estava dentro do normal.
A Sra. Medeiros deveria comparecer a Associação e conhecer os trabalhos feitos lá, e ver todos as inúmeras pesquisas nacionais e internacionais, mestrados,publicações existentes.
Assim como o trabalho feito com cegos, muito bonito feito pela neta de Lygia Clark.
Sou testemunha disso.
Pelo que sei este valor de 40 mil foi cobrado a outra instituição e não a Bienal e é uma multa pelo não respeito a obra da artista aonde cartazes com a foto da obra dela foi usado para convidar para essa exposição sem autorização no Nordeste, como um Museu que trabalha com artistas não respeita seus direitos autorais?
Desrespeitaram sim, a familia não comunicando ainda quem seria a pessoa que que escreveria sobre a obra, provavelmente a mesma que usava o nome da artista sem autorização.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Edemar_Cid_Ferreira
Posted by: duda at agosto 2, 2010 4:04 PM
POR ANDERSON BENELLI
Por favor, não sejamos hipócritas!!! Por que o herdeiro não pode ganhar dinheiro com o fruto do trabalho de seu antecessor e a instituição pode? Todos nós sabemos que a arte movimenta um mercado milionário e que as instituições, mesmo que se digam sem fins lucrativos, movimentam sim milhões, exploram os artistas em vida e querem enriquecer com o trabalho alheio após sua partida (muitos que morreram na pobreza, mesmo consagrados, não me deixam mentir). É de se pensar que a (o) artista preferiria que um parente seu ficasse na gerência de seu acervo (eu preferiria) a essas sanguessugas que reduzem e fazem da arte um supermercado. Isso me parece mais olho gordo, os familiares não podem tratar a obra de arte de seu antecessor como propriedade privada, mas, as instituições podem?
Nesses momentos lembram da vontade do (a) artista de tornar seu trabalho acessível, mas, na hora de expor uma obra interativa impedem a participação do público? Como fazem com os Bichos de L.C e/ou os bólides e parangolés de H.O. "Mas, isso é a preocupação de preservar para tornar acessível a gerações futuras",mas onde fica o respeito a proposta do(a) artista? A intenção de preservar para gerações futuras é autêntica ou a intenção de preservar é para manter em bom estado um objeto que vale milhares ou milhões para uma futura negociação?
"Mas é preciso dinheiro para manter e expor essas obras". Concordo, e por que seria diferente com os herdeiros? As instituições diminuem a obra de arte a um objeto, então não vejo justificativa em se colocar a favor dessa ou daquela e contra os herdeiros por fazerem o mesmo.
Só para deixar mais claro, deixarei um exemplo: a proposta de NÃO-OBJETOS nos Bichos de L.C deixa claro que o importante é a experiência vivida pelo interator no contato com a obra e não o objeto. O objeto foi criado com a consciência e o intuito de proporcionar a experiência, um vivo contato e findar COMO OBJETO, mas, se estender como vivência por gerações - uma vez que réplicas também podem proporcionar experiências. Se a proposta da artista tivesse sido respeitada nem estaríamos tendo essa repercussão polêmica.
Repito! Não sejamos hipócritas!!!
Não me venha falar de acesso, de patrimônio de todos em defesa dessa ou daquela fundação e contra esse ou aquele herdeiro, se todos jogam o mesmo jogo, se todos só pensam em NÚMERO$$$$.
A arte deve ser para todos e a arte é, por si só, acessível a todos. Mas, certos segmentos e produções artísticas estão reféns de uma elite opressora, que a vê como objeto de reafirmação de status.
Diante de toda essa baboseira, só tenho a dizer...
... SOLTE O REFÉM!!! rs
Meu Deus quanta hipocrisia!!! Exportar inteligência???? O povo brasileiro ainda nem tem acesso ao conhecimento e vcs já querem exportar? A educação, os livros, as universidades, o recorte
elítista da produção cultural, que denominamos arte, enfim, o conhecimento ainda está REFÉM da opressão da elíte. A única coisa que vejo exportamos e importamos é opressão. Aff
ERRATA * "conhecimento" (faltou aspas já que td indivíduo carrega conhecimento de algo) ***exportarmos e importarmos****
Posted by: Anderson Benelli at agosto 23, 2010 8:57 AM