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julho 13, 2010
Casal de artistas faz defesa dos índios por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 13 de julho de 2010.
Jimmie Durham e Maria Thereza Alves misturam militância e discurso estético em suas obras para a Bienal
Americano ironiza a colonização, buscando artefatos da elite de SP, e brasileira vai traduzir dicionário dos krenak
Listados numa única página, os atos políticos de Jimmie Durham e Maria Thereza Alves talvez ocupassem mais espaço do que o número de obras e mostras que fizeram.
Engrossam as linhas anos de trabalho representando tribos indígenas nas Nações Unidas, armando congressos, passeatas e manifestos.
Ele é índio cherokee norte-americano radicado na Europa desde os anos 90. Ela é brasileira, casada com ele. São artistas que mantiveram o ativismo político no centro de seus trabalhos sem cair num panfletarismo forçado.
Também fizeram do próprio casamento uma espécie de união em defesa de populações dizimadas, línguas e costumes em extinção.
Juntos, com trabalhos diferentes, Durham e Alves estão escalados para a Bienal de São Paulo, em setembro.
Enquanto ela faz um dicionário da língua dos krenak, tribo quase extinta, ele vai encarnar um antropólogo, analisando a elite paulistana e juntando seus artefatos de valor para expor em vitrines.
É uma espécie de inversão contemporânea das expedições dos grandes navegadores, que davam quinquilharias em troca de ouro.
No caso dela, a única tradução do krenak para um idioma ocidental era para o alemão, feito no século 19 por um farmacêutico. Reduzidos a cerca de 500, a tribo agora terá o primeiro registro de sua língua em português.
De certa forma, a obra desses artistas traduz para o campo estético séculos de exploração, mas com humor no lugar da retórica política.
Espião em Nova York
Durham conheceu a mulher nos anos 70 em Nova York. Depois dos conflitos de Wounded Knee, em que policiais cercaram a reserva de Pine Ridge, na Dakota do Sul, o artista virou representante dos índios na ONU.
Foi quando Alves ofereceu sua ajuda. "Pensei que ela fosse uma espiã, então disse que não queríamos nada", lembra Durham. "Mas acabei indo atrás dela na rua e estamos juntos desde então."
Na época, Alves fazia lobby nos Estados Unidos contra o tratamento que o governo brasileiro dava aos índios. De volta ao país, ela trocou o PT (Partido dos Trabalhadores) para ser uma das fundadoras do Partido Verde e esteve nos debates em torno da Constituição de 1988.
Passada a era da política mais forte do que a arte, deram um tempo na militância.
"Antes não achava que minha obra de artista pudesse alcançar resultados", diz Alves. "Agora acredito que esse trabalho acaba provocando mais mudanças positivas."
Deslocaram a subversão da política para a arte. "Ativismo e arte andam juntos, mas não vou pregar para as pessoas", resume Durham. "Este é um momento belo para a arte: pode ser tudo que o artista for capaz de fazer."