|
julho 12, 2010
Arroz, feijão e açafrão por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 12 de julho de 2010.
Incensados pela imprensa internacional como expoentes da arte brasileira, Rivane Neuenschwander e Ernesto Neto inauguram individuais em Nova York e Londres,
Inspirada no filme homônimo de Francis Ford Coppola, a obra “The Conversation” foi realizada por Rivane Neuenschwander especialmente para a exposição individual que ocupa todo o New Museum, em Nova York. No longa-metragem de 1974, o protagonista – um detetive especialista em gravações sonoras interpretado por Gene Hackman – toma conhecimento de que está sendo auscultado por microfones possivelmente instalados em seu apartamento. Para a obra de Rivane, foram contratados profissionais para instalar dez dispositivos de vigilância em pontos estratégicos do museu. “Menos que o conteúdo das gravações, me interessa questionar a falta de privacidade e suas implicações, tanto no âmbito coletivo quanto privado”, disse Rivane, durante a montagem da exposição que pontuará dez anos de sua carreira.
Entre as dez obras expostas – majoritariamente vídeos e instalações –, chama a atenção o uso que a artista faz de materiais do cotidiano: baldes, adesivos, relógios, mapas de Nova York, bolhas de sabão, retratos falados. Em seus mais de dez anos de carreira internacional, que começou na Stephen Friedman Gallery, em Londres, em 1997, quando ainda cursava mestrado em artes visuais no Royal College of Arts, e se consolidou em duas Bienais de Veneza (em 2003 e 2005), a artista ficou conhecida pelo manejo de materiais efêmeros e corriqueiros. “A Day Like Any Other”, ou “Um Dia Como Outro Qualquer” em português, é o título da mostra que se apoia exatamente nos trabalhos que trazem o “materialismo etéreo”, termo que a artista costuma usar ao referenciar o cotidiano.
Mas, talvez, mais que a “poética do cotidiano” que lhe é frequentemente atribuída, Rivane se destaque por uma “estética do comportamento”. Mais do que com objetos domésticos, ela trabalha com costumes e hábitos. Isso fica claro na instalação “Eu Desejo o Seu Desejo” (2003), que certamente será um dos grandes destaques da mostra, já que convida o público a participar e será instalada no lobby do museu, área de acesso gratuito. A instalação é composta por centenas de fitinhas coloridas, que à moda das fitinhas do Bonfim, têm impressos os desejos dos visitantes de exposições passadas. O turista ou o morador do Lower East Side que passar por ali, a caminho da deli ou da lavanderia, será convidado a tirar uma fitinha da parede, amarrá-la no pulso e deixar em troca um desejo anotado em um caderno. Os desejos nova-iorquinos estarão estampados nas próximas fases do projeto. Talvez em Miami ou em Dublin, cidades para onde a mesma exposição viajará.
Se Rivane fica com o sal e a pimenta, temperos habituais das mesas brasileiras, Ernesto Neto viaja para mais longe e escolhe o açafrão e o cravo-da-índia em pó. As especiarias exóticas e os pigmentos coloridos entraram nas estruturas do artista carioca na instalação que apresentou na Bienal de Veneza em 2001. Alusivas ao corpo humano e a suas paisagens internas, as instalações, chamadas “naves”, são fabricadas com tecidos leves, como lycra, algodão e poliamida, e assumem formas diversas e penetráveis. Para a individual na Hayward Gallery, em Londres, o artista prepara uma sequência de espaços interligados e esculturas ao ar livre.
Em comum, Neto e Rivane já têm um consolidado reconhecimento internacional. No ano passado, a exposição de Neto na Armory Show, tradicional mostra de arte nova-iorquina, rendeu duas matérias de capa no “The New York Times”. Ambos os artistas são também representados pelas mesmas galerias em São Paulo – Fortes Vilaça – e em Nova York – Tanya Bonakdar Gallery. Além disso, anote-se que, invariavelmente, são comparados a Lygia Clark (1920-1988). Imerso em uma poética sensorial e penetrável, Neto assume a filiação. Já Rivane sairia ganhando com outras referências históricas mais precisas. “Acredito que correlações como estas possam ser necessárias para contextualizar um artista de maneira simplificada, ou seja, para que as pessoas possam apreender um lugar, um tempo, uma cultura e até mesmo um modo de fazer”, interpreta Rivane.