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julho 12, 2010
Esculturas performáticas por Nina Gazire, Istoé
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na Istoé em 12 de julho de 2010.
No texto curatorial da retrospectiva dedicada ao artista francês Étienne Martin (1913-1995), aberta ao público em 23 de junho, em Paris, está a afirmação de que sua obra “O Manto”, de 1962, seria a primeira escultura feita de tecidos na história da arte. Exceção dentro do conjunto de esculturas do artista, que utilizava a madeira como material de trabalho, a vestimenta é feita com cordas e panos, como uma espécie de mortalha carnavalesca, e é possivelmente contemporânea ao “Manto da Apresentação”, obra mais famosa do brasileiro Arthur Bispo do Rosário (1911-1989), sem registro de data de realização. Suas semelhanças são incríveis tanto na aparência quanto nos materiais usados. Mas há diferenças fundamentais nas origens conceituais das obras. Bispo do Rosário produziu o seu manto dentro do contexto de anunciações religiosas creditadas ao seu estado mental de insanidade, causa de seu reconhecimento tardio pela comunidade artística. Ele provavelmente desconhecia a ideia de “escultura performática”, proposta por Étienne Martin e outros pivôs de revoluções estéticas na década de 1960. Seu “Manto da Apresentação” deveria ser usado no dia do juízo final.
Com ele, Bispo do Rosário pretendia marcar a passagem de Deus na Terra. Como o trabalho de Bispo do Rosário, o manto de Martin, mais que a noção de um suporte escultórico, traz em si o caráter de estandarte – aspecto compartilhado também pela tapeçaria contemporânea do brasileiro Norberto Nicola (1930-2007). Martin não era negro, pobre ou louco, como Bispo do Rosário, apesar de ser conhecido por seu comportamento arredio. Grande parte de suas esculturas anteriores ao seu manto vem de uma linhagem tradicional da escultura moderna, semelhante aos trabalhos de Constantin Brancusi, com quem mantinha amizade. Além do “Manto”, são apresentados trabalhos importantes e inéditos de Martin, pertencentes ao acervo do Centre Pompidou. Esta é a segunda retrospectiva dedicada à sua obra.
A primeira foi em 1996, um ano depois de seu falecimento. Bispo do Rosário, apesar de hoje ser reconhecido pela crítica brasileira, passou boa parte de sua vida em sanatórios para degenerados e pouco crédito recebe por sua arte na história “oficial” dos grandes circuitos das artes.