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junho 14, 2010
Ela está no meio de nós por Michele Rolim, Jornal do Comércio
Matéria de Michele Rolim originalmente publicada no Caderno Panorama do Jornal do Comércio em 14 de junho de 2010
“O que podemos ser se não percebemos o que nos cerca?” O questionamento é do artista plástico gaúcho André Venzon, e diz muito sobre as suas obras e seu mais recente trabalho, Faces perdidas. Nele, Venzon apropria-se de imagens tradicionais da história da arte, como Davi, de Michelangelo e A última ceia, de Leonardo da Vinci, subtraindo suas faces, mas deixando à mostra o tapume. O autor elimina-lhes o rosto, mas não a carga simbólica, evocada pela memória e pela permanência dos corpos e molduras. “Tudo tem uma face: a cidade, as coisas e nós mesmos. A intenção é refletir que a arte está no meio de nós, inclusive na forma de tapumes”, destaca.
Este trabalho, exposto até o dia 26 de julho no StudioClio (José do Patrocínio, 698), sob curadoria de Blanca Brites e Leandro Selister, dá continuidade às produções anteriores de Venzon, também voltadas a jogos de ocultamento da cabeça. “Essas faces perdidas oferecem desde um exercício de recordação e de imaginação em relação ao que permanece da imagem, bem como a tipos de associação que podemos imaginar sobre o lugar do tapume nestas obras”, enfatiza o artista, destacando o papel deste material (o tapume), como um elemento identificador de seus trabalhos. “Ele representa um índice de urbanidade e relaciona nosso corpo com a cidade em que vivemos”, revela.
Segundo Venzon, os espaços urbanos são considerados matéria-prima para a realização de suas obras. Tanto que, esses lugares despontam em vários trabalhos do artista que, na década de 1990, chegou a estudar arquitetura e urbanismo, embora sem concluir. “Esta experiência no curso foi fundamental para lançar mão de projetos artísticos com embasamento técnico-construtivo”, diz, ele, citando o monumento em homenagem aos 100 anos da imigração judaica organizada para o Brasil, (localizado na avenida Osvaldo Aranha, no parque Redenção). Ele representa uma das pilastras do antigo cinema Baltimore, destruído no ano em que se comemorava o centenário, que serviu de lugar para o primeiro núcleo escolar israelita e círculo social. “Quis fazer este duplo resgate de lugares, e como me disse o músico Álvaro Santi, ‘quisesse dizer que nada está perdido para sempre’, e isto me marcou muito”, conta.
Além dos cenários urbanos, a religiosidade também está presente na obra do autor. Nesta série, foram escolhidas imagens religiosas impressas. “Minha religião é a arte. O sagrado faz parte da minha vida. Acompanho a procissão de Navegantes em Porto Alegre há muitos anos e faço isso pela convicção de que este percurso, seja ele por terra ou por água, é um desenho simbólico capaz de transformar a paisagem da cidade não por um dia, mas por todo o tempo”, destaca Venzon, que diz buscar inspiração no trabalho do argentino Antonio Berni.
O artista ocupou a presidência da Associação Chico Lisboa até inicio deste mês (agora a presidente é Vera Pellin). No momento, dedica-se a projetos pessoais - o principal voltado para grandes pinturas projetadas, cujo título será O importante é não parar. A 72 Ny Gallery é um outro projeto audacioso do autor. “Queremos criar com isto um espaço de conexão artística entre Porto Alegre e Nova Iorque, mas estamos apenas começando”, e completa: “O principal é estar sempre aberto para novos projetos e confesso que os sociais e coletivos são os que mais me atraem”.