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maio 11, 2010
O grande utópico por por Paula Alzugaray , Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 11 de maio de 2010
Duas exposições mostram o idealismo do artista e arquiteto que projetou uma cidade modernista em que homens usavam saias
Embora o arquiteto Flavio de Carvalho tenha projetado dezenas de edifícios e monumentos públicos tanto ou mais utópicos que Brasília, foi um projeto de 1956 que realmente o tornou uma figura pública. “Flavio de Carvalho estreou seu New Look. É de nylon e brim. Acalma os nervos. Evita as guerras. Previne resfriados”, dizia a chamada de uma reportagem na revista “Manchete” de 27 de outubro daquele ano. Intitulada “Experiência nº 3”, a caminhada do arquiteto pela avenida Paulista, vestindo saias, para divulgar seu projeto de utopia urbana, é hoje considerada a primeira performance da arte brasileira. As únicas imagens que ficaram para contar a história foram feitas por fotojornalistas da “Manchete” e de “O Cruzeiro”, e integram as exposições que o MAM-SP dedica a Carvalho.
A retrospectiva na Grande Sala apresenta um panorama de sua produção como arquiteto, cenógrafo, pintor e performer. Embora tenha sido dado destaque para um projeto para o Viaduto do Chá, o carro-chefe da exposição são as pinturas. O expressivo conjunto de aquarelas, óleos e desenhos mostra que Carvalho era um retratista de mão cheia, que captava com maestria a tensão e a gravidade dos rostos de seus retratados. Entre as pinturas que fez de escritores, psicanalistas e artistas figura um expressivo Oswald de Andrade acompanhado de sua terceira esposa, a escritora Julieta Barbara.
Na Sala Paulo Figueiredo, “A Cidade do Homem Nu”, curadoria de Inti Guerrero, faz uma livre interpretação do idealismo de Carvalho, que concebera um projeto urbanístico para um homem “sem deus, sem propriedade, sem matrimônio e sem tabus escolásticos, livre para o raciocínio e o pensamento”. A mostra apresenta obras contemporâneas brasileiras e estrangeiras que dialogam com as ideias do artista modernista e arrisca um interessante cruzamento com a performance libertária de Ney Matogrosso na fase Secos & Molhados. Ao exibir a roupa e o videoclipe desse músico também provocador, o curador reafirma a identidade multimídia de Carvalho, para quem a vida cotidiana e a arte pertenciam a um mesmo campo de ação.