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abril 28, 2010
Uma relação além da arte por Pollyanna Diniz, Diario de Pernambuco
Matéria de Pollyanna Diniz originalmente publicada no Caderno Viver do Diário de Pernambuco em 20 de abril de 2010.
Marchand Carlos Ranulpho inaugura hoje mostra com obras do amigo Vicente do Rego Monteiro
O bilhete foi deixado por baixo da porta do apartamento do edifício Holliday, em Boa Viagem. Era fim da década de 1960. Do outro lado, ao ler o recado, Vicente do Rego Monteiro quis logo saber quem era o homem que o procurava. "A primeira coisa que ele me disse foi: 'o que é que o senhor quer comigo?'", recorda Carlos Ranulpho de Albuquerque. Dois anos mais tarde, em 1970, o pintor pernambucano faleceu, vítima de enfarte, mas a relação de amizade travada desde aquele encontro inicial foi fundamental na carreira do mais antigo marchand pernambucano.
Naquela conversa, Ranulpho, como se tornou conhecido no mundo das artes, convenceu Monteiro a fazer uma exposição no Recife, inicialmente com 20 quadros. "Ele achava que ninguém iria comprar as telas dele aqui. Depois de dizer o quanto ele era importante, avisei que não queria consignação. Iria comprar as telas. Ele disse que não queria me fazer perder dinheiro, mas começou a trabalhar", conta.
Dias depois, o pintorchegou à galeria, na Rua da Aurora, com três quadros. Mais alguns dias se passaram e, na próxima visita de Vicente do Rego a Ranulpho, os quadros já estavam vendidos. "Ele chegou com aquela 'boinazinha' e me olhou com muita incredulidade. Como era um sábado, fiz o convite para ele almoçar na minha casa. Depois daquela tarde, ficamos amigos". Antes mesmo que a exposição fosse aberta, em 1969, todos os 20 quadros já estavam vendidos. Monteiro pintou outros cinco, que foram comercializados logo na abertura da exposição.
"Gilberto Freyre fez um belo artigo no Diario de Pernambuco; na inauguração, a casa estava cheia, muitos amigos. Ele se sentiu revigorado", relembra Ranulpho. Depois dessa, o pintor aceitou o convite de Walmir Ayala, então crítico de arte do Jornal do Brasil, para fazer uma exposição numa galeria no Rio de Janeiro, em 1970.
Participou ainda de uma coletiva das dez exposições mais representativas do ano, também no Rio; nessa, um colecionador trocou um quadro por um apartamento modesto no bairro da Barra da Tijuca. "Ele então ficou com um ateliê lá e outro aqui. Nessa época, ele produzia muito, com muita rapidez. Já tinha idade avançada e queria que a família pudesse ficar com os quadros. Em 1970, fizemos a segunda exposição aqui no Recife. Ele tinha uns 70 anos, mas veio do Rio de Janeiro para o Recife, dirigindo um carro. Amarrou os quadros em cima do carro e veio. Uma loucura!". Uma semana depois da inauguração da exposição, o artista faleceu. O último trabalho do pintor, um São Francisco, fez parte dessa individual.
Exposição - Desde a morte do artista, Ranulpho é representante da família de Vicente do Rego Monteiro. Algumas das obras que ele deixou de herança, pintadas principalmente na década de 1960, quando ele voltou definitivamente de Paris ao Brasil, estão na mostra Revivendo Vicente, que será aberta hoje, às 19h, na Galeria Ranulpho (Rua do Bom Jesus, 125, Bairro do Recife).
São quadros que mostram a influência do cubismo e da arte indígena de Marajó. "No trabalho dele, o desenho é fundamental. Ele dizia que era um pintor que economizava, gastava pouca tinta", brinca o marchand. As telas compõem quase um degradê de cores térreas, marrom, vinho, nude, azul.
Além de Vicente, Ranulpho consolidou a sua carreira trabalhando com importantes pintores pernambucanos, como Wellington Virgolino, de quem foi representante por 20 anos. Nas paredes da sua galeria, obras de João Câmara, Francisco Brennand, Reynaldo, Virgolino, Mário Nunes.
Vicente do Rego Monteiro
Revivendo Vicente
Até 07 de maio
Ranulpho Galeria
Rua do Bom Jesus 125, Bairro do Recife, Recife - PE
81-3225-0068
Segunda a sexta-feira, 10-12h e 14-18h