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abril 28, 2010
Abramovic se reinventa na retrospectiva de suas performances no MoMA por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 19 de abril de 2010.
Com 40 anos de carreira, artista passará cerca de 600 horas sentada de frente para visitantes do museu sem dizer nada
Desde a década de 1970, Marina Abramovic é uma das principais referências da performance. Com ações radicais, que investigam os limites do corpo, como gritar até perder a voz, em "Freeing the Voice" (liberando a voz), de 1975, contribuiu de forma decisiva para estender a compreensão e o papel da arte no final do século 20.
Nos últimos anos, a artista sérvia tem estabelecido novas formas de pensar a performance, superando as próprias regras iniciais, baseadas na tríade: não ensaiar, não repetir, não prever o fim. Foi assim em 2007, quando reencenou seis performances históricas, de artistas como Vito Acconci, Joseph Beuys ou dela mesmo, no Guggenheim de Nova York.
"Marina Abramovic, a Artista Está Presente", em cartaz até 31 de maio, no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), representa sua mais recente e mais radical reflexão sobre como levar antigas performances ao museu, já que se trata de uma ampla retrospectiva de sua carreira.
Ao longo da mostra, cerca de 50 trabalhos são apresentados sob diversas formas: documentações por fotos, objetos usados, vídeos, desenhos e, a parte mais surpreendente, a reencenação de cinco de suas ações por jovens artistas, além de uma nova dela própria.
No átrio superior do MoMA, dois pisos abaixo da própria mostra, Abramovic realiza "A Artista Está Presente". Durante os três meses da exposição, num total de 600 horas, sempre que o museu estiver aberto, ela estará sentada à frente de uma pequena mesa, com uma cadeira vazia do outro lado, na qual os visitantes podem se sentar. Por todo esse período, ela não sai da cadeira, não fala.
Do outro lado, o mesmo ocorre e há filas constantes, provocadas por aqueles que querem dividir parte de seu tempo com a artista. A ação pode ser vista ao vivo no site do museu (www.moma.org).
Como performance significa que espectador e artista precisam compartilhar tempo e espaço, uma das boas estratégias da exposição, com curadoria de Klaus Biesenbach, é a reencenação de performances sem negar o fato de que são reencenações. É o que ocorre com "Relação no Tempo", realizada por Abramovic e Ulay Frank Uwe Laysiepen, em 1977.
Na original, os dois ficavam de costas, com seus cabelos entrelaçados por cerca de 17 horas. No MoMA, os artistas que reencenam são vistos por um retângulo cortado na parede, transformando a performance numa visão bidimensional, o que remete a uma das formas de documentação desse tipo de ação. A exposição joga com o caráter ambivalente da reencenação. Como se trata de uma retrospectiva de uma artista da performance, não há dúvida que a presença física de outros artistas de fato consegue ativar o espaço, como ocorre com "Imponderabilia", de 1977.
Na original, Ulay e Abramovic ficavam nus na entrada da galeria e só poderia nela entrar quem por eles passasse. No MoMA, há dois percursos, um similar ao original e outro, por onde passa a maioria, sem ninguém. A presença dos artistas nus tem não só surpreendido visitantes quanto estimulado outros a tocarem nos artistas, gerando polêmica no museu.
Contudo, a polêmica e a provocação são de fato inerentes a esse tipo de ação e, com "A Artista Está Presente", Abramovic, após mais de 40 anos de carreira, consegue se reinventar, estendendo ainda mais a compreensão da performance.