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abril 28, 2010
Exposição esconde artista ousado por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fábio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 23 de abril de 2010.
Lado transgressor e polêmico de Flavio de Carvalho, que marcou sua carreira, fica ausente de retrospectiva no MAM
A retrospectiva "Flavio de Carvalho", em cartaz no Museu de Arte Moderna de São Paulo, com curadoria de Rui Moreira Leite, não faz por merecer o caráter ousado e transgressor de seu artista homenageado.
Flavio de Carvalho (1899-1973), que causou a ira dos fiéis católicos com sua "Experiência nº 2" (1931), ao caminhar sem chapéu e no sentido contrário de uma procissão; que desenhou retratos da mãe em seu leito de morte, na "Série Trágica" (1947); e andou de saia por São Paulo, na "Experiência nº 3" (1956), entre algumas de suas polêmicas ações, tem na mostra maior espaço para suas pinturas e desenhos.
Não que seu trabalho material não seja importante, mas não há dúvida que, na história da arte brasileira, é sua atitude que o coloca como uma das principais figuras e, nessa exposição, essa característica acaba por ser minimizada. A montagem asséptica, de paredes brancas e com vitrines para alguns de seus objetos, reforça ainda mais esse "enquadramento" de Flavio de Carvalho à instituição.
Agora, em 2010, previa-se um ano que poderia revelar um novo olhar sobre a obra de Carvalho, já que, além da retrospectiva no MAM, ele é figura central de uma mostra no Museu Reina Sofia, em Madri, e um dos destaques da 29ª Bienal de São Paulo. Contudo, a enfadonha mostra "Flavio de Carvalho", no MAM, não acrescenta nada ao que já se conhece sobre o artista.
Uma nova cidade
Por conta dessa fragilidade, ganha destaque "A Cidade do Homem Nu", mostra paralela que se utiliza de ideias de Flavio de Carvalho, na sala menor do MAM, com curadoria de Inti Guerrero. Com apenas 12 obras, o curador colombiano explora a ideia de Carvalho para uma nova cidade, onde existiria um homem "sem deus, sem propriedade, sem matrimônio... e sem tabus escolásticos, livre para o raciocínio e o pensamento".
Assim, ganha novo sentido a performance de Ney Matogrosso, enquanto estava à frente dos Secos e Molhados, nos anos 1970, e as imagens captadas de forma escondida em salas de cinemas pornô na Colômbia, de Miguel Angel Rojas, já que ambos colocam em prática os preceitos de Carvalho.
Outro destaque da pequena mostra é a série denominada "Rua Direita", de Claudia Andujar, que retrata a mesma via por onde o polêmico artista caminhou de saia. Para a série realizada nos anos 1970, Andujar postou-se no chão, capturando um olhar surpreso dos passantes. Ao menos na sala menor, Carvalho segue inspirando transgressão.
A retrospectiva do MAM está boa, mas concordo que ameniza quem foi Flávio de Carvalho. Até porque, até onde se sabe não há registro (fotográfico)da experiência nº 2 uma das mais provocativas e polêmicas. Mas há o livro de mesmo nome resultante dessa experiência e (se bem me lembro) três pinturas.
Ah!!! Um pequeno, mas importantíssimo detalhe, ele caminhou COM boné no contrafluxo da procissão de corpus christi., e não sem como diz o artigo acima.
Vamos aguardar a 29ª Bienal e torcer por transgressão.