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abril 9, 2010
Fúria das letras ganha exposição, Correio do Povo
Matéria publicada originalmente no caderno Arte & Agenda do jornal Correio do Povo em 08 de abril de 2010
Obras de dois dos mais importantes artistas latino-americanos do século XX, León Ferrari e Maria Schendel, estarão reunidas na mostra "O Alfabeto Enfurecido", com abertura, a partir de amanhã, na Fundação Iberê Camargo (Padre Cacique, 2.000). Hoje, os participantes do catálogo da mostra, o curador Luis Pérez-Orama, a crítica argentina e historiadora da arte Andrea Giunta, e o crítico brasileiro Rodrigo Naves participam de mesa-redonda, com entrada franca, às 18h, no auditório do museu.
Pela primeira vez, uma mostra contrapõe o conjunto da obra da suíço-brasileira Mira Schendel (1919-1988) e do argentino León Ferrari (nascido em 1920), constituindo uma dupla retrospectiva. As 180 obras exibidas com exclusividade na Fundação chegam ao Brasil após temporadas no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque e no Reina Sofia, em Madrid. As peças estarão distribuídas no átrio, terceiro e segundo piso do museu gaúcho.
"O Alfabeto Enfurecido" é uma oportunidade para apreciar a perspectiva comparativa que Luis Pérez-Oramas, curador de arte latino-americana do MoMA, depositou sobre a obra dos dois artistas. Donos de uma linguagem repleta de pontos em comum, Schendel e Ferrari viveram em São Paulo durante a mesma época e chegaram a colaborar um com o outro em uma exposição coletiva na Pinacoteca de São Paulo em 1980. Fizeram da palavra a sua prioridade, menos por seu significado imediato do que pela aparência visual. Pérez-Oramas descreve essa preocupação: "são artistas que nunca abandonam a palavra. Fazem-na centro da obra - a palavra como substituto ilimitado da voz humana. Ferrari e Schendel nos dão textos opacos como campos visuais; signos feridos, fragmentados, obsessivos; letras solitárias, abandonadas e delirantes".
Brasileiros por opção, Mira Schendel nasceu em Zurique em 1919, León Ferrari no ano seguinte, em Buenos Aires. Batizada como católica pelos pais judeus, foi expulsa da Università Cattolica del Sacro Cuore em Milão, onde estudava filosofia. O Estado fascista havia proibido a matrícula de "não italianos". Após um périplo pela Europa Oriental em plena Segunda Guerra, voltou para a Itália com o primeiro marido. O casal decidiu partir para a América do Sul. Aos 30 anos, em Porto Alegre, ela assistia a cursos de desenho e escultura. Por conta própria, lia filosofia e teologia. Segundo Geraldo Souza Dias, autor de "Do Espiritual à Corporeidade" (Cosac Naify), "apesar das dificuldades financeiras comprava tintas baratas e pintava apaixonadamente". Naquele momento, para ela, pintar "era uma questão de vida ou morte".
León Ferrari veio ao Brasil em 1976. Estudou engenharia em Buenos Aires. Na faculdade, desenhava e esculpia em cerâmica. Em 1953, mudou-se para Roma, onde conheceu o cineasta Fernando Birri, que se tornou amigo e colaborador. Enquanto buscava uma linguagem própria no desenho e na escultura, passou a fazer da escrita a matéria-prima dos desenhos.