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abril 8, 2010
Os antropófagos não comem macarrão por Yiftah Peled, Carta resposta
Os antropófagos não comem macarrão
Carta resposta de Yftah Peled originalmente publicada no fórum SC artes visuais em 28 de março de 2010.
*** Leia e assine o abaixo-assinado "Repúdio ao governo do estado de Santa Catarina pela implantação em Joinville da Escola de Belas Artes de Florença da Itália" ***
Este texto é uma resposta ao artigo do Sr Vinícius Lummertz, secretário de Articulação Internacional do atual Governo do Estado de Santa Catarina, publicado no Diário Catarinense no dia 27 de março. O tema é relacionado com a proposta de implantação de uma Escola de Belas Artes de Florença no nosso estado.
O titulo acima é, claramente, uma provocação relacionada à citação que o Sr. Lummertz inseriu no seu texto quando relacionou, de forma equivocada, a antropofagia do modernismo brasileiro para promover um discurso de receptividade ao que vem de fora. Mas o seu discurso não tem nada a ver com o experimentalismo moderno e, além disso, existe uma diferença fundamental na idéia da antropofagia moderna que contradiz e torna vulnerável o texto supracitado.
Os modernistas brasileiros importaram estilos inovadores alimentando-se do espírito de modernidade radical, de agitação e de revolução cultural. Eles ansiavam por digerir os mais fortes da sua época e tinham aversão ao passado. O que o Sr. Lummertz quis induzir com a idéia de digerir a escola italiana é totalmente o contrário da operação do movimento moderno brasileiro. Hoje essa necessidade não existe mais. Não é mais preciso importar revoluções culturais.
Em tempos contemporâneos de valorização e resgate do local, o titulo da carta do Sr Lummertz, “Venha a nós a Europa ‘decadente’”, é um insulto a classe artística e ao povo do Estado. Sua forma exemplifica a atitude imponente e insensível que os dirigentes vêm praticando. Falta apoio para o que está embaixo de seus narizes. Existe atualmente uma produção de artes no Estado que vem rompendo com as ultrapassadas barreiras geográficas; são artistas sintonizados e comprometidos com o fazer artístico sem fronteiras e que poderiam representar o Brasil em qualquer lugar no mundo. Mas isso só pode acontecer se for acionado um profundo sistema de mudanças na formação cultural no estado e na valorização dos artistas catarinenses.
Seria um prazer estreitar relações com escolas européias e de todo o mundo e promover intercâmbios com nossas instituições culturais e acadêmicas. Queremos sim trocar, mas não precisamos de outra escola de artes importada que se torne referência das artes visuais, produzidas aqui com qualidade e potencial de diálogo com qualquer instituição do mundo. Temos uma universidade estadual de artes de qualidade, com especialistas e jovens artistas ávidos por recursos, espaços expositivos e oportunidades. Esses artistas não vivem mais as margens da cultura estrangeira. Estão sintonizados com o que acontece em todo lugar do mundo. As fronteiras do saber não mais isolam. O momento agora é de troca, de inteiração e, acima de tudo, de reconhecimento e apoio.
É também importante mostrar ao público catarinense qual o real custo desta implantação e o que isso representa em termos do valor do orçamento total destinado as artes visuais e aos artistas locais. É preciso ter transparência quando se trata de um empreendimento desse porte, especialmente em uma área que é recorrentemente lesada e abusada. Se o recurso destinado para a implantação de uma escola Italiana fosse investido nos parcos espaços de arte e no estímulo a produção artística local, teríamos de verdade uma revolução cultural.
O manifesto vindo de um representante dessa Secretaria mostra claramente o que está por trás da implantação de uma escola italiana no Estado. A proposta parece, acima de tudo, uma questão de promoção e articulação internacional que desconsidera a opinião da classe artística do Estado. Só que o produto em questão não é uma mercadoria de exportação ou importação para ampliar fronteiras comerciais. É cultura e diz respeito ao povo catarinense.
O fato de tal posição não vir de um órgão da área de artes e cultura mostra a desarticulação da política de produção cultural do Estado e é um reflexo da política arbitrária que o governador Luiz Henrique vem praticando durante seu mandato. O texto reverbera na proposta de um governo pouco democrático e minimamente consultivo que promoveu a escuta do meio cultural apenas como exercício demagógico. Isso ocorre na contramão do que vem sendo colocado em prática em nível federal, onde as necessidades do meio cultural e as criticas ao modelo de política cultural vigente foram acolhidas. Esse processo de participação tem gerado mudanças reais, como por exemplo, a modificação da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet) e a realização de Conferências Nacionais de Cultura e de Fóruns Setoriais reunindo especialistas das diferentes áreas de artes.
Os artistas e o povo querem participar do banquete. Que seja servido. Mas que a carne seja fresca e que favoreça primeiramente aos mais próximos.
Yiftah Peled
Artista plástico, doutorando no Programa de Pós Graduação em Artes Visuais da Escola de Comunicação e Artes da USP. Representante do estado de Santa Catarina nas Câmaras Setoriais de Artes Visuais.
Ótimo artigo, perfeito em suas colocações, parabéns.
Posted by: Anderson Benelli at abril 9, 2010 12:11 PM