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março 24, 2010
"Política não é feita para os artistas" por Ana Paula Sousa, Folha de S. Paulo
Matéria de Ana Paula Sousa originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 24 de março de 2010.
Em visita a SP, diretor de departamento cultural da Inglaterra diz que Estado deve priorizar população e não produtores
Orçamento público para a cultura, no Reino Unido, é de 2 bilhões de libras, o equivalente a R$ 5,3 bi; MinC teve R$ 1,3 bi em 2009
Após passar por São Paulo, Michael Elliott, diretor de Cultura do Departamento de Cultura, Mídia e Esporte do Reino Unido, seguiu para o Rio, onde buscaria conhecer, sobretudo, projetos, como o Afro Reggae e alguns pontos de cultura, que mesclam ações sociais e culturais. "Temos uma política institucionalizada, mas nos interessa ver o que vocês têm feito no Brasil, até porque noto que há um debate em andamento, que divide regiões do país e também alguns tipos de produção."
FOLHA - O Brasil, há 20 anos, decidiu separar os ministérios da Cultura e da Educação. No Reino Unido essa hipótese alguma vez foi discutida?
MICHAEL ELLIOTT - É claro que vemos a cultura como algo, por si, importante, mas consideramos natural trabalhar em conjunto com nossos colegas da educação. Só assim conseguimos envolver as famílias e crianças em nossos projetos.
FOLHA - Ou seja, a criação de uma entidade autônoma para a cultura não é algo que se discuta.
ELLIOTT - Não, pela simples razão de que você só pode esperar o desenvolvimento cultural de uma sociedade se isso vier acompanhado de uma educação eficaz, que desperte, nas crianças, a apreciação pela arte.
FOLHA - Me dê um exemplo.
ELLIOTT - Neste momento, estamos trabalhando no direito de cada criança ter cinco horas semanais de atividades culturais. Elas vão aos museus, os museus vão às escolas, enfim, têm experiências com as instituições de cultura nacionais.
FOLHA - O programa é para as escolas públicas?
ELLIOTT - É para todas as escolas. Trata-se de dar oportunidades para que as crianças desenvolvam suas habilidades, seu gosto por literatura, música etc.
FOLHA - De que maneira esses recursos são distribuídos?
ELLIOTT - Temos programas diretos, como os de manutenção dos museus nacionais [como British Museum, Tate e Museu de História Nacional], e repassamos recursos para o Arts Council, que é agência responsável pelo desenvolvimento das atividades artísticas. Neste caso, damos os recursos e debatemos as prioridades, mas não interferimos nas decisões do Arts Council e no destino do dinheiro. Os membros do conselho definem que orquestra ou balé será beneficiado.
FOLHA - O senhor fala dessa relação como se ela fosse pacífica. Mas não há divergências sobre até aonde o Estado deve ir?
ELLIOTT - Nunca é uma situação preto no branco. Sempre houve, no Reino Unido, debates sobre a relação entre o governo e essas instituições. Mas a influência do governo sobre as decisões das instituições é cada vez menor, até porque os membros do Arts Council têm grande expertise, e temos investido na formação desses líderes no setor cultural. Como em todos os lugares, há pressões, mas tentamos estabelecer um diálogo para que as decisões sejam corretas e claras.
FOLHA - Como balancear demanda de artistas e interesse público?
ELLIOTT - Buscamos, o tempo todo, aumentar a participação da população nas instituições. O Arts Council procura entender as necessidades dos artistas, tanto em termos de criação quanto de dinheiro, mas o governo tenta estimulá-los a aproximar os seus trabalhos do público, a criar uma demanda pelo que fazem. A política não pode ficar excessivamente presa ao interesse dos produtores de cultura. O dinheiro governamental deve trazer benefícios reais para a população.
FOLHA - O lobby dos artistas e dos produtores é muito forte?
ELLIOTT - Muito. Mas não pensamos na cultura apenas como fruição, mas também como economia e educação.