|
março 18, 2010
Acervo em perigo por Pollyanna Diniz, Diário de Pernambuco
Matéria de Pollyanna Diniz originalmente publicada no Caderno Viver do Diário de Pernambuco em 18 de março de 2010.
Quando o carro adentra o portão, o motorista solta a pergunta: "Este prédio está meio abandonado, né?". A resposta não é tão simples. O Museu Murillo La Greca, no bairro de Parnamirim, foi criado em 1985 para abrigar toda a coleção doada pelo pintor pernambucano à Prefeitura do Recife, mas hoje trabalha com estrutura precária, parcos recursos e falta de interesse governamental. Só para se ter ideia, o orçamento para projetos, exposições, cursos e oficinas (inclusive com a comunidade da Vila do Vintém, que fica no entorno do prédio) que devem ser realizados pelo museu este ano é de R$ 41,5 mil, quantia considerada mínima para quem trabalha com arte.
Desde dezembro do ano passado, o museu abriga a exposição [entre modernidades], trazendo à tona a obra do artista que dá nome à instituição e pretendendo traçar um paralelo entre as pesquisas modernistas desenvolvidas no Brasil e em Pernambuco a partir da década de 20 com os trabalhos de La Greca.
Para esse fim, além do acervo do museu, três obras foram 'emprestadas' pelo Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (Mamam), que reabriu ao público ontem: Diana (Vicente do Rego Monteiro), A feira (Batltasar da Câmara) e Violon Couché (Louis Marcoussis). O problema é que, as obras, fundamentais no conceito da mostra, ficaram expostas durante 20 dias. Depois, tiveram que deixar o espaço. O motivo? Falta de segurança.
"A tela de Vicente do Rego é uma das mais caras do acervo do Mamam e nós não tínhamos como nos responsabilizar. No início da mostra, a segurança aumentou, mas depois tudo voltou ao que era antes", explica o diretor do museu, Bitú Cassundé. A segurança no Murillo La Greca é realizada por dois guardas municipais desarmados. Um deles fica durante o dia, o outro à noite. O detalhe é que, no acervo do museu, estão cerca de 1.300 desenhos, 300 pinturas e ainda mobiliário de um dos mais importantes artistas pernambucanos.
A forma como esse acervo está guardado também é problemática. Na reserva técnica, uma sala trancada à chave, parece que tudo está entulhado. Há quadros de tamanhos maiores encostados na parede, outros dispostos pelo espaço dividido ainda com mobiliário (que também é utilizado na sala de administração). A reserva não tem, por exemplo, um ar-condicionado e o equipamento que controle a umidade do local.
"Inicialmente precisamos fazer uma adequação física, retirar o mobiliário e depois fazer uma restauração dos materiais", explica Cassundé. Beth da Matta, que agora dirige o Mamam, foi responsável pelo Murillo La Greca por quatro anos e conta que a situação já foi ainda pior. "Nós não sabíamos nem quais eram os materiais. Conseguimos cuidar dos papéis, colocá-los em papel neutro, ganhamos duas mapotecas. Não estou dizendo que é o ideal. É o caos", comenta.
Diante de tantos problemas, a visitação é só mais um deles. No mês de fevereiro, contando com alunos de escolas, a frequência foi de cerca de 60 pessoas. "Isso é muito relativo. Mas às vezes numa tarde inteira não vem ninguém", explica um dos mediadores do museu, Daniel Uchôa. "As escolas municipais reclamam que falta ônibus para trazer os alunos", comenta Cassundé.
Arte contemporânea - Além de sua importância para a continuidade das pesquisas e recortes sobre a obra de La Greca, o museu tem uma vocação para as artes plásticas contemporâneas. O projeto Amplificadores, criado há cinco anos, seleciona através de edital nacional três projetos de curadoria de exposições coletivas que movimentam a pauta de exposições. Para realizar as mostras, os organizadores têm uma verba de R$ 4 mil - o que, às vezes, não custeia nem as passagens e hospedagem dos artistas. "Estamos tentando algumas parcerias, para que esse valor seja maior", adianta o diretor.
O edital do projeto deve ser lançado em abril e a primeira exposição está prevista para junho. Além do Amplificadores, deve ser lançada uma bolsa de pesquisa para estudos sobre a obra de La Greca. "Precisamos trabalhar a obra deste artista, mas dialogando com a arte contemporânea", avalia Bitú Cassundé. Nesse sentido, o diretor pretende construir uma galeria no quintal do museu, com espaço para que as produções contemporâneas possam ser realizadas lá. Boas ideias e intenções, mas que esbarram na falta de recursos e na morosidade do poder público.