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março 15, 2010
"Warhol foi, ao mesmo tempo, um idealista apaixonado e um cínico homem de negócios" por Paula Alzugaray , Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 12 de março de 2010
Confira a entrevista com o curador Philip Larratt-Smith sobre a mostra "Andy Warhol, Mr America", em cartaz na Pinacoteca do Estado de São Paulo, a partir de 20/3
IstoÉ - Qual o objetivo da exposição “Andy Warhol, Mr. America”: apresentar a amplitude da produção do artista durante a década de 60 ou focar em aspectos específicos de seu trabalho?
Larratt-Smith - “Andy Warhol, Mr. America” explora as intersecções da cultura popular e política dos EUA no trabalho de Warhol. Em sua vida e em sua obra, o artista encarnou o sonho Americano em sua lógica subjacente e em suas contradições internas. Ele foi, ao mesmo tempo, um idealista apaixonado e um cínico homem de negócios.
O título da mostra se refere às competições de halterofilismo que costumavam acontecer na Costa Oeste do país. Havia uma propaganda que prometia transformar um fracote de 44 kg em um homem-músculo, um herói que poderia recuperar sua garota perdida para o grandalhão. Warhol gostava de dizer que ele tinha um “problema” com os códigos estabelecidos da cultura gay. Ele não era atraente, tinha baixa estatura, a pele feia e começou a ficar careca cedo. Filho de imigrantes do Leste Europeu, ele era originário da classe trabalhadora e cresceu em uma vizinhança que parecia ter sido tele-transportada do meio da Eslováquia. Para conseguir se estabelecer na América, teve de encontrar uma maneira de converter suas fraquezas em força. Essa mostra conta a história de como Warhol alcançou status na sociedade americana e como ele viveu sua versão excêntrica do sonho Americano.
Os anos 1960 foram o momento em que ele executou suas descobertas e gestos mais radicais. Por isso, “Mr. América” dá ênfase a esse período. Trabalhos icônicos como as “Jackies” e “Marilyns” são justapostos aos trabalhos menos conhecidos, como seu portfólio de gravuras (“Flash”, 1968) sobre o assassinato do presidente Kennedy ou os filmes “Empire” e “Blow Job”. No entanto, a lista de obras para a mostra inclui obras recentes, como as magníficas e camufladas “Self-Portrait” (1986), e o último trabalho realizado pelo artista, a gravura “Moonwalk” (1987).
IstoÉ - É notória, na produção da década de 1960, uma proximidade dialética entre glamour e tragédia. Sabe-se que por detrás das pinturas das Marylins, Jaquelines e Elizabeths há histórias dramáticas. Como esses aspectos (e o próprio engajamento do artista com a morte) aparecem nessa exposição?
Larratt-Smith - Você está certa em dizer que o conhecimento das tristes realidades que estão por detrás da vida de Marilyn Monroe – o abuso de drogas, a vida amorosa conturbada, e outros fracassos pessoais – dão às imagens de Warhol uma compleição patética e trágica. De fato, estes acontecimentos são parte da identificação apaixonada e intensa do artista por Monroe (também com Liz Taylor e Jackie Kennedy). Claro, Warhol era um devoto de Hollywood e sempre adorou o pano de fundo, as fofocas, os furos de reportagem. Ele era fascinado pelo investimento emocional do público nessas personalidades do show business. A idéia de que um filme poderia se tornar um grande sucesso apenas pela presença de Marilyn Monroe o atraía fortemente. A partir dessa lógica, conduziu filmes em seu estúdio-atelier, a Factory (1965), e elegeu a socialite Edie Sedgwick como sua estrela. Como Liz e Marilyn, Edie tinha o que hoje chamamos de uma “bagagem de peso”: ela tinha questões emocionais e psicológicas complicadas que a acompanhavam e, eventualmente, a levaram à sua trágica e prematura morte. Apesar disso, foi por essas mesmas questões que atuava tão livremente em frente às câmeras. Nos filmes, ela tinha o “It”, aquela mistura indefinível e incontável de características que faziam dela uma estrela nata. E na visão de Warhol, se você tivesse “It”, você não necessitaria de mais nada.
Warhol amava as imagens construídas de Hollywood, precisamente, porque elas eram dissimuladas. Certa vez, comentou que preferia o artificial ao real. A beleza é um dom natural e pode ser cultivada, porém não melhorada. Da mesma forma considerava que o glamour poderia ser adquirido, conferido, comprado e vendido. Esse tipo de alquimia era o que buscava: celebridade no sentido de proximidade, ou puramente a promoção de objetos de valor de troca. Dessa forma, seus materiais de trabalho foram sempre os ícones, alvo de milhões de olhos e, ao mesmo tempo, uma tela branca para a projeção da fantasia do público. No nível psicológico, o ícone possui um tremendo valor de uso como instrumento que ensina ao sujeito a estabelecer as coordenadas de seu próprio desejo. De maneira dialética, os trabalhos de Warhol englobam as polaridades entre realismo e idealismo. As pinturas em silk-screen de Jackie, por exemplo, são pinturas figurativas escorregadias porque são baseadas em fotografias que o artista encontrou em revistas, jornais (aqui entram os readymades de Duchamp). A função indexada da fotografia, o fato de o fotógrafo estar na cena do acidente ou do suicídio, aumenta o senso de realidade.
IstoÉ - Warhol agia de forma dialética na vida artística e pessoal, na medida em que era ao mesmo tempo um “artista comercial” (como designer gráfico e ilustrador) e “artista underground” (como realizador de filmes)?
Larratt-Smith - Em sua vida, ele certamente transitou entre uma extrema auto-exposição e uma reticência radical. Ele viveu de maneira insistentemente pública e ao mesmo tempo privada. Apesar de a Factory ser o estúdio-atelier mais famoso e boêmio, isso também permitiu a Warhol manter sua vida privada separada. Poucos freqüentadores do lugar sabiam onde ele e sua mãe viviam. Há algo de o “Grande Gatsby” no seu desejo em dar festas e manter uma distância segura, enquanto as pessoas ao redor bebiam, se drogavam e transavam no banheiro. Seus filmes revelam que ele era um voyeur assumido. A aproximação, o envolvimento pessoal ou a perda de controle ameaçavam sua sensação de segurança.
Warhol era o mais bem sucedido ilustrador comercial de Nova Iorque nos anos 1950 e continuou a fazer trabalhos comerciais até 1964 para subsidiar seus primeiros trabalhos Pop. Alguns podem argumentar que todos os seus trabalhos de arte são extensões das estratégias e estilos de suas ilustrações comerciais, e que ele meramente aplicava as idéias da moda ao contexto dos filmes e da pintura. Sua atitude em relação ao dinheiro era de devoção e mistificação; ele nunca compartilhou da premissa burguesa de que o dinheiro corrompe ou prejudica a arte: ele colocava o dedo na ferida ao sustentar que a economia do gosto tinha a ver com o sucesso. Como bom proletário, não compartilhou com a classe média a descrença nos ricos e famosos; com sua visão experiente de mundo, ele não tinha paciência para os sermões hipócritas da burguesia sobre os males da riqueza nem para a esquerda modista e política da cultura hippie. O que Warhol queria era curtir a festa e as implicações políticas que fossem às favas.
Sobre sua relação com o underground, eu tendo a pensar que ele foi uma das figuras-chave na vida cultural Americana que trouxeram o underground ao mainstream. Em 1963, quando começou a fazer filmes, o filme de Jack Smith, “Flamming Creatures”, havia sido apreendido; homossexuais e travestis eram ocultados pela mídia (veja: “Quanto mais quente melhor”, 1959) ou ignorados. Quando o filme “Cowboy da Meia Noite” (1969) saiu, e também “O Último Tango em Paris” (1972), com cenas explícitas de sexo inimagináveis uma década antes, Warhol já era uma figura libertadora. Ele foi um profeta de nossa era de Youtubes, Facebooks, Twitters e American Indols.
IstoÉ - No texto do catálogo, você escreve que Warhol entendeu a importância da renovação das embalagens de um produto, especialmente se o produto fosse ele mesmo. Quantas versões do artista poderão ser vistas nessa exposição?
Larratt-Smith - Ao longo de sua carreira, Warhol tinha um olho afinado para o que estivesse prestes a se tornar popular, e ele não se intimidava, ao associar-se com artistas mais novos como Jean-Michel Basquiat ou Keith Haring, nos anos 1980, nem quando apropriava de idéias do cinema underground ou de seus predecessores Pop nos anos 1960. Se nos anos 1960 ele se cercava de freaks para atrair a mídia e brincava com os papéis marginais da sociedade, nos anos 1970 (justamente quando a contracultura estava no ápice) ele se converteu em um homem de negócios (um artista de negócios) e participante hedonista do jet set. Conviveu e fez auto-retratos de estrelas do rock, aristocratas entediados, ditadores e novos ricos. Nos anos 1980 ele se remodelou como um velho mestre e cultivou uma geração de jovens admiradores. Warhol tinha o hábito inquietante de utilizar a fama dos outros, por meio de osmose, e tornar-se famoso em conseqüência.
No léxico da ecologia, Warhol é comparável a uma fonte renovável e infinita. Tendo atingido um status icônico, ele também se tornou uma tela branca que está aberta para a projeção dos sonhos e fantasias dos outros. Certo crítico considera-o um crypto-marxista, cuja reprodução mecânica problematiza o status do trabalho de arte como um objeto único de valor estético. Outro vê sua “fábrica” – linha de produção de arte – como reflexo do credo americano de que quanto mais, melhor. Ele transcendeu barreiras da arte e fez-se famoso e celebrado nos mundos do cinema, rock, negócios e publicidade. O que o público vê nos trabalhos de Warhol é na verdade um auto-reflexo, como as pinturas de Rorschach que o artista realizou no fim da carreira. “Mr.America” consiste em 26 pinturas, 50 gravuras, 40 trabalhos em fotografia, 2 instalações e 43 filmes. Deste modo, a mostra apresenta uma retrospectiva dos aspectos mais importantes da carreira do artista. A reinvenção está no coração do sonho americano, e nenhum artista do período pós-guerra reinventou a si mesmo mais do que Andy Warhol.