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março 15, 2010
Conto de fadas americano por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 12 de março de 2010
Exposição mostra como Andy Warhol inventou uma estética a partir de sua visão excêntrica da sociedade de consumo
Era uma vez um patinho feio. Filho de trabalhadores imigrantes do Leste Europeu e criado na periferia de Pittsburgh, na Pensilvânia, durante a grande depressão americana, Andrew Warhola – nome de batismo de Andy Warhol (1928-1987) – foi um garoto franzino e sem- graça que acabou protagonizando o conto de fadas mais imprevisível de todos os tempos. Depois de se consolidar como um bem- sucedido ilustrador comercial na Nova York dos anos 50, de ajudar a vender muito sapato e de entender a importância de renovar a embalagem de um produto, ele assimilou que poderia não apenas reinventar a si mesmo como alterar o rumo da arte contemporânea. “Para ‘fazer a América’, ele teve que encontrar uma forma de converter sua fraqueza em força”, diz Philip Larratt- Smith, curador da mostra “Andy Warhol, Mr. America”, que depois de fazer 200 mil espectadores no Malba, de Buenos Aires, traz para a Pinacoteca de São Paulo cerca de 170 obras do mais célebre e festejado dos artistas pop.
“A exposição conta a história de como Warhol ganhou presença na sociedade americana e sustentou sua própria e excêntrica versão do sonho americano”, diz o curador. Vinte e seis pinturas, 50 serigrafias, 40 fotografias, duas instalações e 43 filmes apresentam a produção exuberante e multimidiática com que Andy Warhol irrompe no fechado circuito das belas artes americanas dos anos 1960, então bastante viciado nas questões formalistas do expressionismo abstrato. Esses são os anos mais radicais de Warhol, em que ele explora as imagens icônicas das estrelas de cinema e de sucessos comerciais, como a lata da sopa Campbell’s e o sabão em pó Brillo, ao mesmo tempo que expõe as mazelas e os avessos da sociedade de consumo. Amante confesso das imagens construídas de Hollywood, Warhol declarou preferir o artificial ao real e ajudou a construir o que hoje conhecemos como a “cultura da celebridade”.
No entanto, as obras expostas na Pinacoteca nos levam a suspeitar que há muito mais por trás de seus retratos de celebridades do que o artista nos faz crer em uma de suas máximas: “Se você quiser saber tudo sobre Andy Warhol, veja a superfície das minhas pinturas. Não há nada atrás.” Quem vê as pinturas da série “Death and Disaster”, que reproduzem imagens jornalísticas de suicídios, acidentes automobilísticos, confrontos raciais e criminosos condenados à cadeira elétrica, precisa saber que também há uma bagagem dramática por trás da fachada glamourosa das estrelas. Afinal, a série de retratos de Jacqueline Kennedy apresenta as expressões de alegria e tristeza flagradas por fotojornalistas no rosto da então primeira-dama dos EUA, no ano do assassinato de John Kennedy.
Quando, em 1967, Warhol se apropria da imagem de divulgação de Marilyn no filme “Torrente de Paixão”, de 1953, a musa está longe do ápice, experimentando problemas com álcool e drogas, que a levariam à morte. Se, por um lado, Warhol foi “um bom proletário, que não compartilhou com a classe média a descrença nos ricos e famosos”, segundo o curador Larratt-Smith –, por outro, foi o artista que atentou para a sombra da imagem, para o que poderíamos chamar de “o lado negro do consumo”, ou o avesso do sonho americano. A exposição mostra como Warhol foi, ao mesmo tempo, um calculista homem de negócios e um idealista passional.
Na sociedade que ele inventou e divulgou para o mundo a partir de sua The Factory – ateliê, estúdio de filmes e ponto das festas mais quentes da cidade –, eram consideradas celebridades tanto aristocratas, socialites e outras estrelas da sociedade de consumo quanto as drag queens, os roqueiros, os gays, os drogados, os artistas underground, os desajustados, os personagens da contracultura. “Por essa relação com o underground, tendo a pensar que Warhol foi uma figura-chave, que elevou o underground ao mainstream da cultura americana”, afirma Larratt-Smith.