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fevereiro 12, 2010
Certezas abaladas por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Istoé, em 12 de fevereiro de 2010
Novos paisagistas rompem tradições e reinventam a representação da natureza
Como uma montanha que desaba sob a ação de forte erosão, a escultura “Paisagem”, de Cristiana Camargo, exposta na coletiva “Trans_Imagem”, é uma obra sintomática do momento de transição que vivemos hoje. Assistimos a um mundo em ruínas: seja nos morros que desabam sobre casas, seja na terra que se abre sob os nossos pés ou nos conceitos que extraímos do mundo. “A ideia de um mundo centrado, objetivo e organizado em uma totalidade harmônica ruiu”, afirma a artista Regina Johas, curadora de “Trans_Imagem”. O mundo idealizado pela perspectiva renascentista, que iluminou a razão ocidental por cinco séculos, começou a ser abalado no modernismo e agora busca novos paradigmas, na era da informação digital. “Paisagem” mostra, afinal, essas certezas abaladas. Cristiana construiu a palavra com pó de gesso e a fragilidade do material faz com que a obra desabe pouco a pouco. “Na medida em que a palavra se desfaz, deixa de ser signo para virar a própria paisagem”, interpreta Regina. Sobre esse tema – a paisagem e sua relação com a cultura – dissertam as obras da mostra coletiva na galeria Virgilio e a mostra individual da artista Gabriela Albergaria, na Galeria Vermelho. Se o paisagista romântico tinha uma relação contemplativa e colocava-se como observador distante (quase platônico) da cena documentada, o artista contemporâneo é um agente construtor da paisagem que desenha.
Se na paisagem tradicional o espaço era organizado em perspectiva dentro de um quadro, agora ele é retalhado, desdobrado, torcido, empilhado ou sobreposto, assumindo formas quase sempre fragmentárias. Via de regra, fragmento é a palavra-chave quando se fala em representação do espaço real. “Hoje vemos o mundo com os filtros da fragmentação”, explica Regina, ao comentar o tríptico fotográfico de Ana Mazzei. “Ao variar o ponto de vista da mesma cena, a artista coloca o espectador em uma situação instável, gerando uma ‘paisagem cinemática’.” A fragmentação também rege a pesquisa da artista portuguesa Gabriela Albergaria, que tem sua segunda individual no Brasil. A artista se serve do procedimento de recortar a cena em pequenos quadros, de forma a articular diferentes conceitos. Composto em 16 partes, em desenho e fotografia, o políptico “Tapada das Necessidades” (2009) representa duas árvores originárias de duas partes distantes do mundo plantadas em um mesmo jardim. Uma asiática e a outra europeia, ambas crescem entrelaçadas, convivendo em “tolerância”. “Sempre me interessei pela colonização das plantas em outros lugares. É possível traçar mapas geopolíticos a partir da observação de jardins”, diz Gabriela, que pesquisa em jardins de dentro e de fora da Europa como as diferentes culturas moldam a natureza. Seus trabalhos – aos quais refere-se como “ficcionais”, nunca documentais – apresentam um eterno confronto entre o estado selvagem e a natureza controlada.