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fevereiro 8, 2010
Brinquedo simula mercado de arte por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 7 de fevereiro de 2010.
Galeristas ficam por último e curadora vence partida do jogo de tabuleiro que simula vendas de obras em leilões e galerias
"O jogo inteiro é baseado em sorte, não na inteligência", avalia Márcia Fortes, da Fortes Vilaça, que jogou Mercado de Arte a convite da Folha
Numa tarde ensolarada, dois curadores, duas galeristas e dois artistas se juntaram numa briga para ver quem sai ganhando no mercado de arte.
Encarnando peões coloridos num tabuleiro, onde lances de dados decidem os rumos, Márcia Fortes, sócia da Fortes Vilaça; Eliana Finkelstein, dona da galeria Vermelho; Felipe Chaimovich, curador do Museu de Arte Moderna; Fernanda Lopes, do Centro Cultural São Paulo; e os artistas Claudio Bueno e Gui Mohallem simularam a luta a convite da Folha.
Jogaram uma partida do recém-lançado Mercado de Arte, brinquedo que tenta imitar os mandos e desmandos do dinheiro sobre a criação artística.
Isso tudo numa escala reduzida, é claro. Não tem obras de Cildo Meireles, Beatriz Milhazes ou Nuno Ramos. Não tem Sotheby's ou Christie's. Muito menos o Masp ou a Pinacoteca. O jogo se ancora na figura de uma única -e quase desconhecida- artista chamada Sônia Menna Barreto, suas obras de arte e até sua produção de xícaras, pôsteres e objetos afins.
Preside sobre a sorte dos jogadores a ira ou a benevolência do banco Menna Barreto, que distribui dinheiro, determina o valor das obras e aplica multas aos que blefam nos leilões.
"Esse banco é terrível", exclama Felipe Chaimovich, a certa altura do jogo, vítima de um desfalque financeiro. Passado um tempo, já detentor de uma loja de xícaras e da tela "Cinderela", ele controla a grana: "É verdinho em cima de verdinho, é assim que se faz".
No placar final, o curador do MAM não foi bem. Escolhas duvidosas acabaram deixando Chaimovich com um patrimônio tímido e pouco dinheiro no banco, mas ainda bem à frente de sua rival Márcia Fortes.
Na vida real, ela é sócia da galeria mais poderosa do país e representa os reais e muito conhecidos Nuno Ramos, Beatriz Milhazes e Adriana Varejão, para citar alguns. No jogo, Fortes não comprou quase nada, rejeitou boa parte das obras, que achou de "estilo duvidoso", e incitou a concorrência entre os outros participantes.
"Esse jogo só vai prestar para a reavaliação de rumos", desabafa ela, em tom jocoso. "Quer um emprego como diretor de galeria de arte? Tem várias viagens internacionais, champanhe", oferece aos adversários.
Nesse momento, disputava com o artista Gui Mohallem uma tela que estava nas mãos de Eliana Finkelstein. Mohallem, jovem artista na vida real, dominava o jogo, com o maior volume de obras e dinheiro em caixa. Finkelstein, também não muito capitalizada na ficção, esperava aumentar as ofertas para decidir o destino da obra.
"A gente não pode fazer um "deal'? Você me dá sua obra e eu dou a minha, um "business'", pedia Finkelstein. "O negócio é esperar a hora em que o cara está mal de grana para comprar o que você quer", ensina.
"A Eliana está se revelando uma loba", disse Fortes, depois de perder a longa disputa. "Não é à toa que faço análise."
Artistas e banqueiros
Mas os conselhos do terapeuta não evitaram que a marchand bem-sucedida terminasse o jogo em penúltimo lugar. "O jogo inteiro é baseado em sorte, não na inteligência", avalia. "Eu sempre disse que tinha que sair desse negócio."
No fim das contas, Mohallem, artista, terminou em segundo lugar, atrás de Fernanda Lopes, curadora do CCSP. Se a ficção imita a realidade, faz sentido, já que o poder dos curadores, acima de galeristas e artistas, está mais do que consolidado no circuito global.
Não é nem preciso lembrar que Hans Ulrich Obrist, curador da Serpentine Gallery, em Londres, foi eleito número um da lista das cem pessoas mais influentes no mundo das artes plásticas pela revista "Art Review". Lopes tem menos fama, mas arrasou no tabuleiro.
Em sintonia com artistas de sua geração, acostumados com um mercado vigoroso e valores avantajados, Mohallem chegou ao fim da disputa com uma fortuna em mãos. "Quando quero falar de arte, eu ligo para um banqueiro", resume Fortes. "Quando quero falar de dinheiro, ligo para um artista."
Quanto à Marcia Fortes e sua frase de efeito: será que algum banqueiro se digna a conversar sobre dinheiro com ela? E será que artistas a tomam como interlocutora privilegiada para falar sobre arte?
Posted by: C. H. Beck at fevereiro 10, 2010 2:57 PM