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fevereiro 4, 2010
Reunião de cúpula por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 4 de fevereiro de 2010.
Num clima de encontro das Nações Unidas, curadores da 29ª Bienal de São Paulo debatem os rumos da mostra que começa em setembro, com a proposta de falar de política por meio da arte
É denso o ar na sala. Estão sentados à mesa dois brasileiros, um angolano, uma espanhola, uma venezuelana, um sul-africano e uma japonesa. Discutem a ascensão do Brasil como potência global, a crise econômica que varreu o mundo, mudanças na noção de família e sexualidade, o desmanche das utopias modernas.
Não é uma reunião das Nações Unidas. É o terceiro andar do pavilhão da Bienal de São Paulo, que começa em setembro e vai encher o espaço desenhado por Oscar Niemeyer -com a proposta de falar de política por meio da arte.
Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias, os brasileiros à frente da curadoria, estão reunidos nesta semana com seus convidados estrangeiros. A Folha acompanhou parte do encontro, que tem a missão de responder até amanhã as questões que vão nortear essa exposição.
De Londres, veio o sul-africano Sarat Maharaj. Fernando Alvim, angolano que mora na Bélgica, também veio. Chus Martínez, espanhola, e Rina Carvajal, venezuelana radicada nos EUA, formam o grupo hispânico. Yuko Hasegawa, do Japão, representa o Oriente.
"Temos pessoas muito polidas e bem informadas trabalhando juntas", resume Maharaj, que estudou numa universidade segregada, na era do apartheid, e já foi codiretor da Documenta de Kassel. "Estamos pensando a mostra como uma máquina de criar ideias, capaz de investigar o mundo."
Misturando heranças, eles jogam um xadrez geopolítico. Falam de arte carregando algumas bandeiras, já que têm os pés fincados em mais de uma pátria. Enquanto a chuva arrasa a cidade lá fora, um pavilhão imaculado aguarda as definições que sairão desse encontro.
Em parte, têm a missão de saturar o espaço monumental que ficou às mínguas na última edição da Bienal. No lugar de um andar vazio, aquele que foi pichado e virou emblema da derrocada da mostra, prometem 120 artistas divididos em seis núcleos internos e até 400 eventos paralelos nos três meses da exposição, que está orçada em cerca de R$ 30 milhões.
"É a abertura de novas frentes de pensamento", diz Moacir dos Anjos. "Vamos emoldurar os intervalos de pesquisa."
Agnaldo Farias acrescenta que essa será uma Bienal experimental, que tenta redefinir o papel do público numa exposição. "É criar um problema onde não havia", diz ele. "Nossa ideia é que certa opacidade do discurso é fundamental."
Sim, é vago. Até agora, pouco de concreto tem saído a público sobre essa Bienal. Estão confirmados os nomes de artistas como Ai Weiwei, Steve McQueen, Chantal Akerman, Cildo Meireles, Nan Goldin, Nuno Ramos, Flavio de Carvalho, Anri Sala, Harun Farocki. Também se sabe que será uma mostra sobre arte e política.
Texturas do político
"Não estamos falando de ativismo, tem muitas texturas do político", diz Carvajal, do Museu de Arte de Miami. "A condição geopolítica do mundo hoje repercute na produção dos artistas, não será um apanhado histórico da violência."
Tanto que o apartheid, lembrança na vida de curadores como Maharaj e Alvim, ficou de fora. Artistas angolanos e sul-africanos que estarão na mostra, os mesmos que servirão de eixo central para a Trienal de Luanda, evento que começa em setembro na capital angolana, são jovens que despontaram depois da segregação racial.
"Estão fazendo novos experimentos", diz Alvim, curador convidado em São Paulo e diretor da mostra angolana. "Essa é uma parte do mundo que passa por profundas transformações filosóficas e estéticas."
Do seu lado do globo, Hasegawa, diretora do Museu de Arte Contemporânea de Tóquio, enxerga na ascensão econômica da China uma chave de leitura para a transformação do papel da arte no Oriente. No lugar da estética histriônica, pop e inflada de artistas como Takashi Murakami, ela vê uma fusão entre criação visual e dinheiro.
"Acabou esse momento", diz Hasegawa. "Vivemos outro tipo de capitalismo, a arte é outro fenômeno cultural, está no meio de uma ventania que vem do mundo econômico."
São ares que sopram também no Brasil. São Paulo, como sede dessa Bienal, será o centro de um debate e vai ocupar um núcleo dentro do pavilhão. "Esse não é o Brasil do passado, esse é o Brasil perturbado, mexido", diz Maharaj. "É uma potência econômica e cultural."
Mais quieta, Chus Martínez, diretora do Museu de Arte Contemporânea de Barcelona, galega que quando jovem virou muçulmana para visitar o Irã, diz só que será uma Bienal para "repensar, reconstruir, aferir, calibrar, pesar o mundo".