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fevereiro 4, 2010
Memórias em carmim por Ana Cecília Soares, Diário do Nordeste
Matéria de Ana Cecília Soares originalmente publicada no Caderno 3 do Diário do Nordeste, em 4 de fevereiro de 2010
A artista Maíra Ortins lança hoje, às 19h, no CCBNB, a individual "Segredo de travesseiro é sonho". A exposição interage literatura com artes plásticas
Em continuidade a pesquisa sobre poéticas visuais, iniciada em 2007, a artista pernambucana, radicada no Ceará, Maíra Ortins, dá corpo a exposição "Segredo de travesseiro é sonho", título retirado de um poema de autoria da própria artista. Neste trabalho, a artista tende a captar o universo lírico da palavra por meio de desenhos inseridos diretamente sobre a parede, a madeira, o papel e a fotografia, com o auxílio de vídeo, sobre placa de acrílico, tecido e outros materiais.
Maíra argumenta que as obras realizadas sob o prisma das poéticas visuais, ampliam a visão sobre as possibilidades de entendimento do uso da palavra como imagem, sem, contudo, destituí-la de seu conteúdo lexical. "A imagem reporta o que a palavra diz, é como se ela fosse uma atriz interpretando o vocábulo".
Hibridismo
Imergida numa produção híbrida pautada pelos entrelaçamentos das artes plásticas com a poesia literária no arranjo e na harmonia de palavras, desenhos, objetos e coisas, toda a exposição se configura como uma única grande instalação, cuja finalidade é potencializar o texto de maneira a explorar os universos infinitos dos sentidos.
Sensibilidades arrefecidas em vermelho puro, cor de sangue, e com cheiro de mel. Aroma proveniente da cera de abelha, material utilizado pela artista em suas caixas.
"A cera é para enfatizar a ideia de que memórias e afetos estão ali dentro, cristalizados. As lembranças estão paralisadas e guardadas em cada uma dessas caixas".
Para a exposição a artista trabalhou com imagens de mulheres das décadas de 20 à de 50. Optando por aquelas figuras mais estranhas, diferentes. "Fiz uma apropriação de imagens que ia encontrando na internet ou que as pessoas, simplesmente, iam me dando. A exposição é como se fosse uma história narrada pela poesia visual. Nela, minhas memórias se confundem com as do outro. Tem momentos que já não sei mais o que me pertence ou não", explica.
Caos
Segundo Ricardo Resende, curador da exposição, a poética de Ortins é como uma via de mão-dupla, em que o arrebatamento visual e literário provoca grandes emoções naqueles que se permitem "penetrar" pelas sensações e lembranças de amores vividos ou não. É também febre e memória dos afetos.
"O resultado visual é um certo caos nas paredes ou sobre os tecidos, como é o sentimento do amor quando nos toma o corpo e a alma, quando, ainda na forma de paixão, nos vira a vida do avesso e transborda o corpo com seus fluidos. Esse caos nada mais é do que a aceitação desta desordem interior, que nos joga contra a parede diante da paixão pelo outro, pelas coisas, pelas palavras, pelo mundo, enfim, pela vida", explica.
Resende acredita que Maíra expõe de maneira visceral a sua intimidade. Dos sentimentos mais interiores desprendidos no gesto de escrever, de borrar de vermelho a parede e o interior de suas caixas. "É como se a artista falasse com o coração ao segurá-lo nas palmas das mãos. Parece apertá-lo até sangrar e jorrar neste gesto enérgico que faz escorrer o sangue que carrega no seu interior sobre a parede, sobre o tecido, sobre a manta de algodão".
Ela faz de seu corpo lugar de sua subjetividade. Usa a força do texto-imagem.
A palavra se transforma em desenho, das linhas que rasgam as paredes, sempre nervosas ao ponto de estourarem.
"O movimento é determinado pelo conteúdo do texto, que flui, surge quase simultâneo ao ato do desenho. São frases. Por vezes poemas completos, que expressam o meu momento mais particular. Processo desencadeado durante o fazer",constata Ortins. Em seu trabalho o gesto é quem administra a intensidade com que a aquarela vermelha pousa sobre a seda. Sendo que o tecido também impõe um gesto, a tinta faz um percurso único e imprevisível. E os desenhos estão carregados de simbologias.
Maíra Ortins
Palavra e imagem
Maíra Ortins nasceu em Recife (PE), em 1980. De 1995 a 1998, estudou desenho, pintura e escultura em argila pela "Escolinha de Arte do Recife". Em 2001, estuda xilogravura em cor com Sebastião de Paula e Nauer Spindola, através do Instituto Dragão do Mar. No ano seguinte, faz o curso "Fotografia, imagem Fotográfica e Arte visual no Brasil", com o critico de arte Tadeu Chiarelli, também, idealizado no Dragão do Mar. De 2001 a 2003, é monitora na oficina de gravura do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará. De 2005 a 2008 foi diretora da Galeria Antonio Bandeira e do Memorial Sinhá D´amora da Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor). A artista é graduada em Letras - Licenciatura em Português/Literatura em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Ceará (2006). Atualmente é Coordenadora de Artes Visuais da Secultfor, onde desenvolve pesquisas sobre poéticas visuais, congregando suas experiências nas áreas de Literatura e Artes Visuais. É desenhista, gravurista e escultora.
Maíra Ortins
Segredo de travesseiro é sonho
Curadoria de Ricardo Resende
4 de fevereiro, quinta-feira, 19h
Centro Cultural Banco do Nordeste - CCBNB
Rua Floriano Peixoto 941, Centro, Fortaleza - CE
85-3464-3108 / 3177 ou cultura@bnb.gov.br
www.bnb.gov.br/cultura
Terça a sábado, 10-20h; domingo, 10-18h
Na ocasião, será lançada também a mostra "Eu vejo, tu olhas... ele déjà vu", de Fernando Ribeiro, e a realização de um bate-papo com os artistas.