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janeiro 27, 2010
De corpo e mistério por Júlia Lopes, Jornal O Povo
Matéria de Júlia Lopes originalmente publicada no caderno Vida&Arte do jornal O Povo em 16 de janeiro de 2010.
Já faz 34 anos que Efrain Almeida se mudou para o Rio de Janeiro. Foi por lá que viveu a adolescência, o início da carreira de artista (a primeira exposição no XI Salão Carioca de Arte, em 1987), as aulas no Parque Lage, as experiências de uma vida. Por lá continua. Mas ele sempre volta: seja em suas obras ou em incursões para Boa Viagem, no interior do Ceará, cidade onde nasceu e onde ainda residem os pais. ``As referências pessoais de Efrain são transpostas para obra, reverbera na produção um diálogo fluente com sua cidade natal``, identifica Carlos Bitu Cassundé, que é cearense & mas mora em Recife e por lá dirige o Museu Murillo La Greca.
Também atento à obra de Efrain, Marcelo Campos, crítico de arte e curador, aponta essa intensa relação entre os aspectos pessoais e poéticos do artista & que pode ser, inclusive, complexa e até paradoxal. ``Efrain tem uma relação ambígua com aquela paisagem: de fastio e reverência. Ele é um homem urbano, adora música eletrônica, ficou deslumbrado com Tóquio, é fã de São Paulo… E está no Rio. Mas guarda pelo sertão uma relação ao mesmo tempo real, mítica e afetiva``. É de lá, portanto, que chegam os elementos fundamentais para a construção dessa poética. ``É lá que ele vai colher a madeira umburana que o próprio pai planta, nos terrenos da família, destinada às esculturas. Mas o sertão, para ele, também é o lugar que ele teve de vencer, de superar, de se livrar para voar mais alto``, continua Marcelo.
A produção de Efrain é marcada principalmente por pequenas esculturas. Como a série de beija-flores, da década de 90. São cerca de 30, com os pássaros em diferentes posições, dando a sensação de suspensão no ar. A sequência, para Marcelo, é fundamental para a entrada do artista no universo da arte contemporânea. ``Enquanto alguns artistas buscavam conceitualismos chatos e inférteis, ele permaneceu atento à sua história, sincero, chegando então a um resultado bem particular. A instalação é única, um dos mais belos exemplos da arte contemporânea brasileira depois dos anos 1990. São esculturas em madeira, mas, ao mesmo tempo, fazem movimento de cinema, de fotografia, como em Muybridge``.
Muito presente em suas obras é a representação do corpo ou partes dele, como os ex-votos tão comuns no sertão. ``Um trabalho que considero fundamental na sua recente produção é a escultura apresentada na exposição Contraditório do Panorama da Arte MAM-SP, em 2007. A pequena escultura é um auto-retrato em umburana de corpo inteiro do artista desnudo. Até suas tatuagens são registradas``, descreve Cassundé. ``É de um realismo que chega a incomodar, provocador, corajoso. Mas não é a nudez que choca e sim a complexidade do discurso que se abre para o espectador, o diálogo que se estabelece entre o artista e o outro, e as referências sugeridas pelo trabalho margeiam questões bastante presentes em nossas micropolíticas contemporâneas como: desejo, solidão, afeto etc.``.
São essas questões do corpo também são inquietantes para Marcelo. Ele lembra Caetano Veloso: ``Todo corpo em movimento está cheio de inferno e céu``. E continua. ``Nestas figurações ele faz declarações de vida: observações da natureza, dos quintais, das viagens para o interior do Brasil ou para o exterior. Ao mesmo tempo, o corpo é a dádiva do trabalho de Efrain, o presente que ele oferece a si mesmo, à sua história e aos espectadores. O corpo é a troca e carrega marcas, estigmas, da religiosidade que ele observa desde criança, nas procissões da sua cidade natal. É, também, o corpo do desejo, das pessoas, da erotização. É o mesmo corpo, muitas vezes, nu, mas entregue religiosamente, como uma heresia, ao sexo, ao outro, declarando-se, mas escondendo-se, cheio de mistério``. E pronto para ser observado.