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janeiro 27, 2010
Sem prazo para pagar dívidas por Thiago Corrêa, diariodepernambuco.com.br
Matéria de Thiago Corrêa originalmente publicada no diariodepernambuco.com.br em 26 de janeiro de 2010.
política cultural // Presidente da Fundarpe reflete sobre os desafios do último ano de gestão, comemora o que considera avanços na área pública de cultura contra a política de balcão e reconhece dívida com artistas
O quarto ano de gestão de Luciana Azevedo como presidente da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) começou sob a turbulenta reabertura do Cinema São Luiz e as denúncias de atraso no pagamentos de cachês de artistas que participaram de atividades promovidas pela entidade em 2009.
Nesta entrevista ao Diario de Pernambuco, Luciana responde a essas polêmicas, apresenta o modelo de gestão do Cinema São Luiz, explica as dívidas com os cachês, pede desculpas aos artistas, garante o pagamento, mas não estipula um prazo para realizá-lo. A gestora ainda analisa o futuro do Conselho Estadual de Cultura, comenta as dificuldades encontradas no poder público, a falta de estrutura para lidar com o setor cultural, critica a política de balcão, fala da resistência da área em aceitar as novas ideias e defende a política de cultura implantada em sua gestão como uma conquista democrática para o setor, que deve ser garantida com a aprovação da Lei Estadual de Cultura, em março. Além disso, Lucianarevela quais os principais desafios da Fundarpe em 2010, que pode ser o último sob seu comando, em função do processo eleitoral.
Cachês
2009 era um ano estratégico e foi um ano difícil, por conta da crise. Todo mundo começou criticando a marolinha de Lula e hoje estão aplaudindo. O governador apostou nisso e não contingenciou. Só que houve um grande problema, as prefeituras todas contingenciaram. A gente faz um instrumento para elas assinarem, mas as prefeituras quebraram. Então a gente tinha duas decisões: se retrair e perder o 2009 estratégico ou imprimir as mudanças de que precisávamos. Falhou a primeira prefeitura, falhou a segunda; então começamos um movimento interno de convencimento para ampliar o orçamento. Terminamos o orçamento em R$ 111 milhões, quando estavam previstos R$ 72 milhões. Mas para isso, tem todo um processo, tem a demora dos rituais e o processo legal. Tive reuniões e reuniões com os consultores para saber como poderia pagar a dívida, porque até nisso o poder público é complicado. Estou com o dinheiro em caixa e estou fazendo todo o ritual. A gente construiu o caminho de reconhecer a dívida, com toda documentação, reconhecer na Fazenda, da Procuradoria-Geral. Posso dizer que o que ficou para pagar é em torno de 1,5% do nosso orçamento executado no ano de 2009. Não é sendo irresponsável nem dizendo que isso não é importante para o artista, mas desafio qualquer órgão público que tenha só 1,5% de dívida, de tudo o que foi executado no ano. A grande diferença é que a gente está trabalhando num processo democrático, e aí as pessoas estão falando. Mas ai de quem falar de alguma dívida da prefeitura, de qualquer uma. Por que estão falando só da dívida da Fundarpe, que ampliou o orçamento em 500%?
Prazo de pagamento
A gente não pode dar um prazo definido, porque tem um ritual a ser cumprido. A gente tem consciência da nossa dívida, o governador garantiu os recursos, estamos fazendo o ritual dentro da legalidade. Vamos pagar. Pedimos desculpa a esses artistas. temos consciência do que estamos construindo para a cultura de Pernambuco. E este ano vamos ser mais duros na negação de pedidos que venham de trampolim.
Cinema São Luiz
Foi criada uma comissão que tem representantes ligados ao audiovisual e aos produtores. Ela vai estruturar as ações que vão ocorrer no Cinema São Luiz. Algumas ações básicas estão definidas. Durante a manhã, formação de novas plateias críticas, com os alunos das escolas públicas, com a exibição dos filmes seguido de debates. A tarde, a gente vai dedicar à produção audiovisual pernambucana. E durante a noite se cumprirá o papel de fruição cultural, para que a população tenha acesso, já que no Brasil apenas 13% da população tem acesso ao cinema. Com filmes do circuito, com o ingresso menor: R$ 4 e R$ 2.
Equipamentos
O Cinema São Luiz não é um brinquedinho na mão de uma pessoa, mas um espaço de política pública de cultura. É uma estação cultural que quebra modelos.
Precipitação
Não foi precipitado. Foi uma abertura corajosa. Você não espere em nenhum lugar a coisa estar pronta para poder colocar na rua, porque não bota.
Desperdício
Ainda tem muita coisa para corrigir. Gastamos R$ 25 mil para alugaro gerador por um ou dois dias, mas a gente avaliou que seria melhor que o desgaste desse sai não sai. Dentro do jogo de quebrar impossibilidades, você tem que fazer alguma coisa desse tipo. É preciso ter coragem.
Lula Cardoso Ayres Filho
Sou amiga de Lula, mas ele não pode ser o centralizador de um processo. Aquilo (o São Luiz) não é um instrumento dele. O cinema é um equipamento de política pública. A gente tem todo respeito por Lula e ainda vamos discutir. Ele pode compor, se ele topar ser coletivo, com os outros.
Circuito comercial
O papel da economia da cultura é avaliar as nossas metas e a eficácia delas. Nosso objetivo é formar plateias em relação à cultura pernambucana e fazer com que a população tenha acesso a ela. Um dos eixos prioritários é a questão da circulação, porque não adianta produzir e não dar acesso à produção.
Modelo de política pública
Política pública é deixar tudo aberto para que todos possam participar, para que todas as estéticas sejam potencializadas. Não pode ser concentrada emgrupelhos, tem de ir para todas regiões. Se não fere o princípio. A mão do estado entra para que todos tenham acesso, porque aquilo era uma bagunça, parecia uma empresa privada que escolhe o que vai financiar. Nós usamos dinheiro público, então todos precisam ter acesso à disputa.
Conselho Estadual de Cultura
O que a gente tem é um Conselho de Cultura que é referência histórica, que foi criado na época da ditadura, em 1967, representou uma conquista muito grande dentro de um modelo onde não existia política pública. Mas esse Conselho vai de encontro ao Sistema Nacional de Cultura. Para você participar do sistema, você tem que ter os canais de participação como manda o sistema. E esse conselho estadual não pode cumprir este papel. A gente está construindo algo de outra envergadura, com outra lógica. Se esse conselho passar a ser consultivo, ligado à Secretaria de Educação, para assuntos da área de cultura, enfim, essa é uma discussão que vai ser tratada. Na lei, o que se fala de conselho não é esse conselhoque existe.
Novo conselho
É uma representação do poder público e da socidade, uma representação institucionalizada num modelo de cogestão, partilhada. Ele vai fazer parte do Sistema Estadual de Cultura, que é estruturado num modelo de gestão participativa, com representação do tecido social e do poder público. O governador vai indicar o representante do poder público, que é o poder que lhe cabe, os outros serão eleitos nos fóruns por região, por linguagem. Desse conselho sai uma representação para o conselho nacional. Atualmente, quem representa Pernambuco é um cara que só fala com ele mesmo, ainda disputa para ver se é maior que Deus. Marcus Accioly é a cultura de Pernambuco, é contra a lógica. E é uma contradição, porque somos referência de modelo, tudo que produzimos, nós passamos para os secretários e a única coisa negativa de Pernambuco é essa referência.
Desafios do último ano
A aprovação da lei na Assembleia Legislativa, para garantir que o princípio social tenha um instrumento de luta. No momentoem que se está discutindo essas questões (dos cachês), acho que eles (os deputados) não podem se negar a discutir uma lei de política pública que vai institucionalizar algumas críticas que eles estão fazendo. Esse é o grande desafio. De ponto de vista interno, é a reestruturação da Fundarpe e o concurso público.