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dezembro 2, 2009
A estética do movimento pelo pioneiro Abraham Palatnik por Camila Molina, O Estado de S. Paulo
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no Caderno 2 do Estado de S. Paulo em 2 de dezembro de 2009.
Mostra apresenta síntese de sua trajetória dedicada a criações cinéticas no Brasil
Abraham Palatnik é considerado um pioneiro da arte cinética no Brasil. Antes de fazer suas primeiras máquinas, era apenas pintor, mas desistiu dos pincéis quando, em 1948, no Rio, visitou o Hospital Psiquiátrico do Engenho de Dentro com o crítico Mário Pedrosa, conhecendo, assim, o trabalho de arte que a doutora Nise da Silveira realizava com doentes mentais. "Fiquei muito impressionado com as pinturas que eles faziam. Quando as comparei com minhas obras, vi que meu subconsciente era muito pobre", diz Palatnik. O artista ficou atordoado, queria criar algo novo, e foi Pedrosa que o "acalmou" e o incentivou, dizendo que muito podia ser feito. "De repente me vi cercado de engrenagens, articulações, de uma pesquisa sobre a luz", afirma o artista. Em 1951, exibiu na 1ª Bienal de São Paulo o Aparelho Cinecromático, uma caixa em que são projetadas formas coloridas em movimento, obra que ninguém sabia definir naquela ocasião.
Desde então, foi uma trajetória sem limite para a experimentação, em técnicas, materiais e objetos cinéticos - e esse dado tão especial relacionado ao artista, agora com 81 anos, é o mote da exposição Ocupação Abraham Palatnik, que o Itaú Cultural inaugura hoje para convidados e amanhã para o público. Com curadoria de Aracy Amaral, convidada de Palatnik para tal tarefa, a exposição é enxuta, uma "síntese", ela diz, que ressalta a variedade de experimentações e que coloca, além de obras, três vídeos sobre o artista e o contexto das criações de seus trabalhos.
A mostra começa com o único óleo sobre tela do conjunto, único, também, autorretrato que Palatnik, nascido em Natal, no Rio Grande do Norte, realizou em 1945, em Israel, coincidentemente, concluído no dia em que foi anunciado o fim da 2ª Guerra. "Hitler estava acabado e já era esperado o término da guerra", conta o artista. Depois de seu autorretrato, única obra figurativa, seguem-se na mostra pinturas feitas com barbantes, ripas de madeira cortadas a laser e sobre vidro, duas raras criações em resina poliéster da década de 1970, além, claro, de objetos cinéticos realizados em anos diferentes - pelos quais Palatnik, que vive no Rio, está identificado - e um Aparelho Cinecromático que, instalado em uma sala escura, deixa o espectador hipnotizado pelo movimento lento e leve das combinações diversas de formas em tantas tonalidades.
Dar ordem ao movimento é uma das considerações que se faz em relação à obra de Palatnik, "artista anticaos" que, curiosamente, ressalta em suas criações algo de lúdico nos objetos feitos de uma tecnologia simples e inteligente. "Penso nos objetos cinéticos dele como um trabalho de relojoaria, em que os elementos se unem em harmonia", diz Aracy. "Sempre trabalhei sozinho nos mecanismos e máquinas, fazendo articulações inventadas por necessidades imediatas: e deu certo", afirma agora Palatnik, que, curiosamente, conta que seu ensejo para a criação de seu primeiro Aparelho Cinecromático foi a observação da sombra de uma vela em um dia que houve falta de eletricidade.
Iniciou-se, assim, uma pesquisa de décadas sobre a luz e o movimento sem deixar de ser, ainda, uma experimentação com a cor - Palatnik "também" é pintor, como diz. Para um artista que se baseou em "princípios estéticos, a vida toda", ele afirma, chama a atenção que o cinetismo não se dá apenas nas máquinas e aparelhos, mas também nas telas, que são construções, relevos em progressões e ondulações de camadas de ripas de madeira, cartões cortados com estiletes, tela com barbantes ou a pintura de uma geometria leve sobre o vidro. "Fui desenvolvendo a técnica adequada para cada material", afirma Palatnik. Primeiro, como frisa, sua preocupação é o movimento para depois colocar a cor, "último elemento, o mais prazeroso", diz Aracy.