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novembro 12, 2009
Vergara explora Carnaval como protesto por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 11 de novembro de 2009.
Obra gráfica e fotos de artista que despontou na nova figuração ganha retrospectiva no MAM do Rio
Carlos Vergara não gosta de estilo nem de entregar composições prontas para consumo. Sua retrospectiva no Museu de Arte Moderna do Rio dá a dimensão fragmentária dessa obra. São paisagens quebradiças, gravuras que se completam nos poros do papel fotográfico. "Estilo é uma armadilha mais do que tudo", diz Vergara, 67.
"Meu trabalho tem uma espinha dorsal, uma coerência interna, mas não um estilo, o que me deixa mudar o que quiser." E muda. Artista que despontou nos anos 60 entre os nomes da nova figuração, a pop art engajada feita no Brasil, Vergara assumiu depois fotografia e gravura como suportes complementares, juntos no mesmo discurso poético-político.
Em "Texto em Branco", um dos primeiros livros de artista produzidos em massa no país, Vergara deixava quase toda a página vazia, para que o público completasse suas formas. No canto de cada folha, mandou imprimir uma marca vermelha -a gota de sangue como símbolo daqueles anos de chumbo.
No espírito da época, que via surgir a estética relacional de Lygia Clark e Hélio Oiticica, Vergara também buscava na participação do público um desfecho para suas proposições. Cada exemplar do livro teria um destino diferente, embora sejam as originais, em branco, as folhas nesta mostra.
Do mesmo jeito que seus negativos atacados por fungos foram ampliados com os sinais coloridos da deterioração. Grãos estourados demais serviram de matriz para suas gravuras, uma geometria construída de sinais e marcas do tempo. "A ação do tempo é incorporada", diz Vergara. "O acaso é um dos grandes assistentes do artista. Se ele não está aberto a esse tipo de coisa, tem uma operação muito restrita."
Cacique de Ramos
Sem restrições, a grade que separa o público dos passistas no Carnaval orienta a composição dos flagrantes fotográficos da festa e depois ressurge como traço definidor dos campos cromáticos em suas gravuras.
Nos anos 70, Vergara estudou o Carnaval como se fosse performance. No meio da festa, que ele chama de ritual, descobriu o bloco Cacique de Ramos, em que todos os integrantes se vestiam da mesma maneira. "A fantasia era recortada sobre o corpo, um pedaço de plástico e vinil cortado sobre a pele", lembra. "Body art é o caralho, body art é o Carnaval."
Nas fotografias da época, o protesto político aparece aliado à agitação feérica dos blocos. Vergara acentua a harmonia possível desse descompasso montando imagens díspares lado a lado, como se fossem peça única. "Me interessou mais truncar a leitura", explica. "É obrigar uma procura de nexo, mesmo que o nexo não exista."