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setembro 28, 2009
Pazé brinca com ícones da pintura, por Maria Hirszman, Estado de S. Paulo
Matéria de Maria Hirszman originalmente publicada no Caderno 2, do jornal O Estado de S. Paulo em 28 de setembro de 2009.
O artista exibe sua obra impactante sobre arte ocidental na Casa Triângulo
Quem entrar na Casa Triângulo para ver as novas obras de Pazé se surpreenderá com um cenário inusitado. O artista transformou 500 anos da arte ocidental num gigantesco e impactante jogo, criando um desafiante quebra-cabeças composto por grandes ícones da pintura, desde o renascimento até a modernidade, organizados segundo critérios bastante precisos e de efeito potente. Tirando o visitante de sua confortável posição de espectador para colocá-lo no centro de uma lógica de apropriação e acúmulo, o artista subverte uma série de regras, transgride todos os critérios de organização, exibição e valoração das obras de arte. Ao utilizar um processo barato, usado normalmente para decorar caminhões, e criar um bricabraque de períodos e estilos distintos, ele retira o caráter único e individual de cada tela - ou melhor, explicita sua ausência num mundo tão ávido e saturado por imagens - para compor a sua coleção, a partir de regras próprias, muito particulares.
Há uma estrutura ordenadora, a tela Arquiduque Leopoldo Guilherme em sua galeria de pinturas em Bruxelas, pintada em 1647 por David Teniers o Moço. Mas as dezenas de pinturas que ocupam essa galeria do século 17 acabaram sendo cuidadosamente retiradas e substituídas por aquelas pertencentes ao acervo criado por ele. As molduras foram mantidas, mas a ordem e as dimensões alteradas conforme sua conveniência. Dois critérios nortearam a escolha das telas da instalação de Pazé: um de caráter mais prático, outro mais visual ou poético: a) as obras teriam de ser de domínio público, ou seja, seu autor teria que ter morrido até fim dos anos 30, viabilizando assim sua inclusão sem criar infindáveis problemas relativos a direitos de imagens; e b) as telas deveriam ser retratos, individuais ou coletivos, em que pelo menos um dos retratados estivesse olhando fixamente para quem está diante dele. Assim, não somos apenas nós que olhamos para Matisse, Ticiano, Rafael, Klimt, Ismael Nery (o único modernista brasileiro), Manet... Seus personagens nos encaram, nos desafiam a lembrar quem são aqueles rostos tão familiares agora armazenados segundo critérios novos e bem-humorados. Uma terceira regrinha contribui ainda mais para reforçar os laços invisíveis entre essa galeria de personagens. Foram barrados todos os grandes dignatários. Na coleção de Pazé não há lugar para reis nem para o alto clero.
Para reforçar o caráter provocativo da instalação, ele organizou sua coleção de forma especular, prendendo o visitante numa repetição sem-fim. Como num jogo de espelhos, estão dispostos numa pequena sala quatro versões distintas dessa gigantesca galeria de pinturas. O vinil que recobre a parede da esquerda possui exatamente os mesmos quadros que aquele instalado à sua frente, mas como se fosse um reflexo do espelho, ou seja invertem-se as posições das figuras. O mesmo ocorre com as paredes frontal e traseira. "É como num jogo de espelhos", explica o artista, que situa como ponto de origem de sua obra a leitura da Coleção Particular, de Georges Perec, e se diverte em transformar a arquitetura moderna do cubo branco num gigantesco trompe l"oeil.
Mas nem só os retratos foram alvo do artista nessa exposição. Além de sua coleção, ele também se debruçou sobre imagens de pássaros extraídos de naturezas-mortas, que exibe no segundo andar da galeria. Aqueles que se surpreendem com essa overdose de figuração e de história em sua produção, em contraposição ao caráter abstrato e sedutor de seus trabalhos com canudos - responsáveis pelo seu despontamento como um dos nomes de maior destaque de sua geração -, Pazé ressalta o que há de comum entre os dois trabalhos. "Eles se aproximam no acúmulo", diz. Q