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setembro 25, 2009
Paulo Sergio Duarte responde às matérias dos jornais de São Paulo contra Inhotim
A razão dessas matérias contra a Coleção Bernardo Paz em Inhotim encontra-se em alguns pontos:
1. É possível que se a Coleção estivesse instalada em Tremembé (SP) e não em Inhotim (MG) seria tratada de modo diferente.
2. Se a coleção tivesse sido construída e cedida em comodato para um órgão público, com o ônus no orçamento público que isso acarretaria, e não tivesse sido objeto de um pesado investimento patrimonial num ambiente exemplar e com edificações igualmente exemplares para abrigar as obras seria tradada de forma diferente como o são as diversas coleções cedidas a museus em São Paulo e no Rio de Janeiro. Lembro que a cessão em comodato não é doação, transfere-se ao órgão mantenedor todos os ônus de preservação, conservação e proteção (segurança) decorrentes da existência da coleção e conserva-se o direito de propriedade e de herança sobre o patrimônio cedido.
3. Por último, e talvez o mais importante, se o Centro de Inhotim e sua coleção tivessem sido construídos com recursos oriundos dos tesouros > públicos por meio de renúncia fiscal, as chamadas leis de "incentivo à cultura" e ocupassem terrenos e prédios públicos, talvez não estivessem sendo atacados. Isenções fiscais das quais gozam todos os jornais na compra do papel usado na sua impressão (incentivo que, diga-se de passagem, sou a favor de ser mantido e por muito tempo num país de analfabetos, a começar pelo analfabetismo da elite).
Digo e repito, qualquer país do mundo teria orgulho de possuir um Centro de Arte como Inhotim. Os ingleses se orgulham, e com razão, do British Museum, no qual parte significativa do acervo foi saqueada de colônias e por ocasião de ocupações militares e transportada como butim. Os franceses, igualmente com razão, se orgulham da sua place de La Concorde que ostenta um obelisco egípcio que não foi comprado, bem como de parte significativa do Museu do Louvre que foi obtido da mesma forma que aquela de Londres.
Aqui são certos brasileiros que tomam a iniciativa de derrubar uma iniciativa exemplar no campo da arte como Inhotim. Deveríamos estar torcendo para que todas as instâncias públicas se envolvessem nesse projeto para apoiá-lo e garantir sua continuidade. Ainda por causa de Inhotim, rogo, que não me venham dar lições de como funciona o capitalismo. Sei disso desde os quatorze anos de idade. Mais tarde li e estudei "O Capital" com um grupo de amigos que conservo até hoje, militei contra a ditadura e paguei por isso, não o preço tão alto quanto os que foram torturados e/ou assassinados. Por isso não me venham convencer que o dinheiro de Bernardo Paz é mais "sujo" que o do Rockfeller que deu a partida na construção do MOMA, o do Simon Guggenheim ou o do Paul Getty.
Qualquer adolescente que se inicia no estudo da psicanálise sabe o significado que Freud dava ao dinheiro.
Por que até hoje nenhum desses jornais que atacam Inhotim fez uma reportagem sobre o Museu de Arte de Brasília? Vai aqui, de graça, uma dica de pauta. Trata-se da capital da república que vai completar cinquenta anos em 2010. Diz-se que se trata da capital de um país com mais de oito milhões de quilômetros quadrados, cento e oitenta milhões de habitantes, décima economia do mundo. Onde está o Museu de Arte de sua capital? No antigo Clube das Forças Armadas, depois transformado em "Casarão do Samba", e, em 1985, transformado em Museu de Arte. Ficava num lugar ermo à beira do lago Paranoá. Agora este sítio está habitado por um conjunto hoteleiro de arquitetura pífia, muito semelhante a esses prédios de nouveaux riches com colunatas e coluninhas, cujos prédios, entre outros nomes, foram batizados de Fort Lauderdale e Key Biscayne. Por Brasília, passaram treze presidentes desde sua fundação (para não falar dos dois interregnos de Ranieri Mazzili e da tróica de ministros militares) entre democratas e ditadores, intelectuais e um operário. Onde estará o museu de arte da capital do Brasil ao completar cinquenta anos? No mesmo lugar: no antigo Clube das Forças Armadas. Acervo existe para dar início a um museu de verdade, além daquele, razoável mas mais que modesto que se encontra no museu; basta consultar as listas de obras que se encontram em posse e propriedade de instituições como o Banco Central, a Caixa Econômica Federal, e outros órgãos públicos. Depois seria traçar uma política correta de aquisições (como Bernardo Paz). Por que não lançar um concurso público internacional de arquitetura para o futuro museu de arte de Brasília agora? Peço isso para que meus tetranetos não paguem o mesmo mico que estou pagando.
Por que não fazer uma matéria sobre o Museu de Arte de Brasília e os 50 anos da capital em vez de atacar o que dá certo? Só existem três instituições de arte que funcionam efetivamente no país como deveriam: a Pinacoteca do Estado de São Paulo, Inhotim e o Museu do Pontal, no Rio de Janeiro. Todo o resto está devendo, alguma coisa - uns muito, outros menos -, mas está.
Paulo Sergio Duarte
http://www.nytimes.com/indexes/2009/09/27/style/t/index.html#pagewanted=8&pageName=27brazilw&
Talvez depois dessa matéria lah no NYT a mírdia paulistana, reconsidere sua posição.
Posted by: duda at setembro 26, 2009 8:29 PMOk amigo Paulo Sérgio. Entendo tua colocação, mas algumas coisas me incomodam no discurso "arte a qualquer preço", "arte a todo custo". Explico: é fato que as colônias sofreram um saque, para não dizer ROUBO, de "objetos" de valores inestimáveis para suas sociedades - tudo isso em nome da ARTE (será mesmo?), ou do colecionismo desenfreado de sólidas instituições européias que, sem nenhuma "dor na consciência", sem demonstrar qualquer espécie de remorso ou culpa, cruzaram oceanos e marcharam sobre as "terras descobertas" à procura de peças que pudessem preencher sua sede de cultura, para se apropriar de tudo que não era seu de direito. Existem autores que tratam desse tema com especial atenção e revelam, vamos dizer assim, o outro lado da moeda capital. Do ponto de vista daqueles que sofreram, seria bom rever textos de Alfred Gell e Olu Oguibe.
Então, amigo, pergunto: franceses e ingleses se orgulham de quê? Do sangue derramado? Estão orgulhosos das conquistas autoritárias sobre uma relação vampírica, da construção de uma História da Mentira, do desvio, do extravio culposo?
Ah... É que agora é a nossa vez. Então, devemos agir como aqueles de outrora? Passados séculos, ainda bárbaros?
Não sei dizer sobre quais cabeças o nosso "motivo de orgulho brasileiro" está pisando... Mas uma coisa é certa: Inhotim é um cemitério.
então Nina, cuidado, muito cuidado com os mortos, principalmente com os mortos-vivos !
Posted by: duda at setembro 27, 2009 9:23 PMhttp://www.we-make-money-not-art.com/archives/2008/11/an-hour-drive-away-from.php
Posted by: duda at setembro 28, 2009 1:02 PMEsse ano comemoramos 12 anos de morte de Alfred Gell
Posted by: duda at setembro 28, 2009 1:09 PMfala, Paulo Sergio
Voltei ao Brasil depois de morar 3 anos na terra dos museus - Japão. E fui no fim de semana a Inhotim, uma absoluta surpresa - seria animal, como dizem os cariocas, se não fosse vegetal, tbém - um deleite para o cérebro e os sentidos, com público pagante e satisfeito, atendentes simpáticos e simpáticas, boa arquitetura, o que mais vc precisa ? fechei com um Chris Burden aterrissado no morro do chapéu, sem antes pisar no estilhaço vidreiro do Cildo. True rouge ? moro em Brasília, e o museu continua lá, largado, esmaecido, sem cor...
abraços,