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setembro 23, 2009
Corpo é trampolim para Pipilotti Rist por Fernanda Ezabella, Folha de S. Paulo
Matéria de Fernanda Ezabella originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 23 de setembro de 2009.
Artista suíça vem ao país apresentar 11 videoinstalações no Paço das Artes e no Museu da Imagem do Som, em outubro,
Ela pretende viajar por Minas Gerais num ônibus alugado e fazer pesquisa sobre a relação de europeus e brasileiros com as cores
Vulvas vistas tão de perto que deixam de ser vulvas, se transformam em apenas superfícies úmidas e vermelhas, percorridas por uma câmera como se "procurasse ouro", descreve Pipilotti Rist. A descrição pode chocar algum espectador, mas não é esse o objetivo da artista suíça, que usa o corpo como base para muitos de seus vídeos. Ela está somente em busca da poesia da imagem.
"O que mais temos além do nosso corpo?", pergunta Rist, 47, em entrevista à Folha por telefone, de Zurique.
"Ginas Mobile" (2007), que registra em close quase microscópico cinco vulvas, está entre as dez videoinstalações em exibição no Museu Paço das Artes, em São Paulo, a partir de 6/10. A artista chega amanhã à cidade para sua terceira visita ao país. Ela falará com o público da mostra e depois seguirá numa viagem por Minas Gerais.
Mas Rist, uma das pioneiras da segunda geração da videoarte, tem sim muito além do corpo para criar suas engenhosas videoinstalações. Ela conta com uma equipe para ajudá-la em projetos às vezes um tanto complicados, como levar imagens para tetos de igrejas repletos de afrescos, para o chão de museus ou mesmo pelo corpo do espectador. Registros da natureza também são importante fonte de suas imagens poéticas.
"Podemos usar as luzes, os movimentos do vídeo para nos confortar. Você se senta e coloca as imagens para passear por sua pele, é como alguém te acariciando", diz Rist sobre o trabalho "Laplamp" (2006), que projeta plantas no colo do espectador. "A imagem eletrônica é tão onipresente em nossa vida e sempre a deixamos numa única direção, olhamos sempre para dentro de uma caixa. Nós devíamos libertar esses fantasmas, misturá-los mais com o nosso cotidiano."
Assim como não tem medo do corpo, Rist também não teme as cores, peça fundamental de sua vida. Ela é sempre vista com roupas de cores vibrantes e faz delas tema de pesquisa pessoal. "Por que os europeus têm mais medo das cores do que os brasileiros têm?", ela pergunta durante a entrevista. "Não concorda que as cores estão muito ligadas a emoções?"
É para responder perguntas como essas que ela fará uma viagem de duas semanas por cidades históricas mineiras, com uma parada estratégica em Brumadinho, no Centro de Arte Contemporânea de Inhotim.
Ela negocia levar à cidade a obra "Homo Sapiens Sapiens" (2005), exibida numa igreja de Veneza e filmada nos jardins do próprio centro mineiro, em 2005. Uma continuação desse trabalho estará no Museu da Imagem do Som, ao mesmo tempo em que a mostra no Paço das Artes. A atriz polonesa Ewelina Guzik volta a ser Eva em "Liberty Statue for London" (2005), também projetado no teto da instituição.
"Em "Homo Sapiens Sapiens", ela [Eva] estava no paraíso, cercada de homens, todos pelados, e na "Liberty Statue" ela volta à civilização, 40 mil anos depois. Ela está vestida, tentando se balancear entre natureza e civilização, sem se sentir culpada", explica.
John Lennon
Outra faceta da obra de Rist é um certo tom anárquico, que pode ser visto numa de suas instalações mais famosas, "Ever Is Over All" (1997) -uma mulher caminha alegremente, em câmera lenta, destruindo janelas de carros estacionados, com uma espécie de flor.
Apesar do forte apelo feminista, o trabalho de Rist começou por influência da música e da cultura pop. Vídeos cômicos como "I'm Not The Girl Who Misses Much" (1986), uma releitura bem esquisita da canção "Happiness is a Warm Gun", de John Lennon, ou "You Called Me Jacky" (1990), no qual a artista dubla outra música, estarão na instalação "The Room" (estão no YouTube também).
"A música está muito próxima à batida de nosso coração, ao interior de nosso corpo", diz Rist, que no início dos anos 80 fazia experimentos com Super-8 e projeções de slides em shows de seus amigos músicos.
A inspiração para tantas fantasias, ela conta, vem de seus sonhos, que ela anota e desenha. "Minha profissão é manter os olhos fechados e levar essas imagens a sério. Materializá-las num filme", diz, rindo.