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setembro 15, 2009
Retrospectiva percorre caminho da alegria por Noemi Jaffe, Folha de S. Paulo
Matéria de Noemi Jaffe originalmente publicada em colaboração para a Ilustrada do jornal Folha S.Paulo, em 11 de setembro de 2009.
Na apropriação estética de materiais e objetos de uso cotidiano, de consumo fácil, existe um caminho que não é nem o da ironia mordaz à reprodutibilidade nem o do adesismo fácil e fetichista ao kitsch. Na retrospectiva de Leda Catunda, na Estação Pinacoteca, que reúne 70 obras que vão de 1983 a 2008, é possível encontrar esse terceiro caminho.
Diria, temerosamente, que é o caminho da alegria. Temerosamente, porque, em arte, além de ser difícil conquistar a alegria, também é passível de preconceitos aquele que diz encontrar alegria num trabalho artístico. "Mas só alegria? Sem densidade, opacidade?" Sim, a alegria é tão ou mais difícil de ser conquistada que o dramático e, sim, "só" alegria.
Esse terceiro caminho, quando se passeia entre Cebolinhas, Pernalongas, biribas, cobertores, almofadas, Adão e Eva e El Greco, é o caminho das possibilidades, dos encontros inesperados entre coisas, pessoas, paisagens e materiais. Uma espécie de infinita pergunta que diz:
"Como seria se eu misturasse o Corcovado com um guardanapo? Um teto de fusquinha com veludo vermelho?". E o resultado, assim, não é irônico nem kitsch, mas possível. Daí a alegria; da conversa surpreendente que pode surgir entre tudo.
Obras em que os espaços vazios, que são muitos, não significam o grande vazio, o impreenchível, mas, ao contrário, espaços para preencher, como numa brincadeira de ligar os pontos. São vazios lúdicos, não trágicos. E, contrastando com os espaços vazios entre os materiais, os buracos, os vãos, há, na mesma quantidade, os vasos comunicantes. Em quase todos os trabalhos encontramos vesículas, ligações, tubos, conexões: são a explicitação dessas possibilidades. Tudo se liga de alguma maneira e um grande pensador também dorme sobre um colchão barato.
Natureza
Vendo várias obras, como "Mundo Macio", "Almofadas Amarelas", "Duas Luas", dá vontade de se lançar sobre esses materiais-paisagens, e de se refestelar na "poética do macio", como a artista denominou suas obras. Como se uma almofada de loja de departamentos fosse uma campina de grama fofa e vice-versa.
Os caminhos da natureza são também formas, como a estrada entre duas montanhas, um lago japonês, três montanhas e, reversivelmente, os materiais são também paisagens. Olhando para essas obras amorosas, nos títulos, nos encontros, nas tramas, nas surpresas, é fácil lembrar-se de uma canção em que tudo isso também comparece, inclusive um certo nonsense: "Deu meia-noite, a luz faz o claro/ eu assubo nos aro/ vou brincar no vento leste/ A aranha tece puxando o fio da teia/ a ciência da abeia, da aranha e a minha/ muita gente desconhece".