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setembro 1, 2009
Amazônia cearense por Marcos Sampaio, O Povo
Matéria de Alan Santiago originalmente publicada na seção Vida e Arte do O Povo, em 31 de agosto de 2009.
Aos 80 anos, Sérvulo Esmeraldo inaugura, em Rio Branco, no Acre, monumento em homenagem à revolução acreana e aos cearenses que migraram para a Amazônia
É impossível esquecer a importância do Ceará na formação do Acre. Tudo começa nos anos 1940, quando milhares de cearenses saíram daqui em busca de borracha. Eles foram motivados por um alistamento compulsório promovido pelo então presidente Getúlio Vargas, que, desta forma, não só conseguiu formar seu “exército da borracha”, como tirou mais de 50 mil nordestinos da seca que assolava a região. Boa parte dessa história foi recontada no último dia 6, quando foi inaugurada na Avenida Ceará, principal via de Rio Branco, capital do Acre, o monumento intitulado Jangadas, em homenagem aos 107 anos da Revolução Acreana, momento que incorporou definitivamente o território ao Brasil.
O autor da obra que mede seis metros, feita em aço SAC-50 (cuja principal característica é ser resistente à ferrugem), é o artista plástico Sérvulo Esmeraldo que, aos 16 anos, deixou o Crato para conquistar o mundo com suas cores e formas. Formado por três triângulos, como velas, Jangadas faz alusão a um dos principais ícones da cultura local. Entre as palavras gravadas na placa que fica em frente à escultura, “Quando os nordestinos empreendiam a longa jornada do sertão até a mais distante floresta da Amazônia, velas ao mar eram o último aceno da terra natal para gerações de cearenses”.
“Não sei quando comecei a me interessar por arte. Só sei que comecei”, diz Sérvulo que, já na infância, dividida entre o engenho do pai e a escola, gostava de desenhar os parentes e explicar como o desenho foi feito. Numa longa conversa que passeou por vários cômodos da sua casa, ele conta que daí até se encaminhar para a profissionalização, precisou de um pequeno empurrão do acaso. “Fui expulso do ginásio do Crato, aos 13 anos, porque dei uma entrevista na rádio falando mal dos integralistas e fiz um cartaz para o partido comunista”. Por conta deste incidente, ele veio para Fortaleza estudar no Liceu.
Trajetória
Já na capital, aos 18 anos, foi visitar o 5º Salão de Abril onde conheceu muitos artistas da Sociedade Cearense de Artes Plásticas como Ademir Martins e Antonio Bandeira. “Nessa época, eu ainda não pensava em ser artista. Meu pai queria que eu fosse diplomata no Rio de Janeiro e pensava em fazer arquitetura, porque parecia com arte”. Mesmo assim, seguia várias tardes para a lagoa da Messejana ou para a praia para pintar com seus novos amigos. Em seguida parte para São Paulo e expõe suas xilogravuras no Instituto dos Arquitetos. Lá ele conhece o adido cultural da França que o convida para estudar em Paris.
Olhando alguns dos álbuns de recortes de jornal que trazem notícias suas (ele tem mais de uma dezena), Sérvulo ainda se surpreende com o que encontra. “Isso aqui é a minha vida”, diz, emocionado. Ainda desarrumando as malas que trouxe da sua última visita ao Acre, ele diz que a obra Jangadas foi muito importante principalmente por conta de toda a importância que o Ceará tem na fundação do Acre. “O Secretário de Cultura do Acre dizendo que queria uma obra minha na nova avenida que fosse parecida com a que tem aqui, próximo ao mercado de peixes da beira mar”.
“O Sérvulo foi escolhido tanto em virtude dos atributos estéticos de sua obra quanto pelo fato de ser cearense, conterrâneo de nossos antepassados”, explica Daniel Sant’Ana, diretor-presidente da Fundação de Cultura e Comunicação Elias Mansour-Acre. “A obra é importante, pois simboliza, com suas formas, as embarcações nas quais os migrantes eram transportados. O resultado não poderia ser melhor.”
Com 80 anos completados no último 27 de fevereiro, Sérvulo continua atento às novas gerações de artistas plásticos. Citando João Bosco Lisboa e Carlos Macedo, ambos de Juazeiro do Norte, e Francisco Zanazanan, ele diz que são muitos os nomes no Ceará que continuam produzindo trabalhos interessantes. E, entre seus próprios trabalhos, ele conta que passou a última noite trabalhando num medalhão de prata que está fazendo para uma coleção de joias que pretende lançar ainda este ano. Outro projeto, para o próximo ano, são duas exposições que passeiam pela sua história, uma na Pinacoteca de São Paulo e outra na França. Certamente, não vão faltar traços e desenhos para a história do menino do engenho que saiu do Crato para enfeitar o mundo.