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agosto 31, 2009
Alegria de viver por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Istoé, em 2 de setembro de 2009.
A primeira retrospectiva no Brasil do pintor Henri Matisse comprova que ele fez de sua arte uma celebração da luz, da cor e da vida
Libertário
Incansável inventor de técnicas e modos de pintar, Matisse (1869-1954) marcou o século XX com escândalos e paixões
Quem vê Henri Matisse retratado por Henri Cartier-Bresson, Man Ray e outros grandes fotógrafos, não diz que ele foi o pintor da luz, dos contrastes e da paleta de cores fortes, que escandalizaram os salões do começo do século passado. O semblante grave não exprime o real talento deste que está entre os maiores pintores do século XX: a expressividade
Em sua primeira exposição retrospectiva no Brasil, "Matisse Hoje", concebida especialmente para a Pinacoteca do Estado de São Paulo e para o Ano da França no Brasil, o público brasileiro conhecerá os caminhos que o levaram a ser conhecido como o pintor da alegria de viver. A trajetória delineada nesta exposição começa em uma sala de paisagens, entre as quais se encontra a tela "Côte Sauvage, Belle-Île-en-Mer" (1896). A tela é importante porque foi pintada durante uma viagem que Matisse, ainda estudante da Escola de Belas Artes de Paris, fez à costa da Bretanha, onde descobriu a luminosidade das cores primárias.
"Voltei para Paris livre da influência do Louvre", escreveria ele, comemorando a superação da paleta de cores dos mestres antigos. O espírito da "costa selvagem" da Bretanha se desdobraria em pinturas sucessivamente rejeitadas em salões de arte. O tratamento indiferenciado entre fundo e figura e a deformação das anatomias em manchas de cores chapadas - atitudes nunca antes vistas na história da arte - levaram-no a uma pintura considerada turbulenta e lhe renderiam o titulo de "fauve" (fera) pelo critico de arte Louis Vauxcelles.
Infelizmente, a mostra "Matisse Hoje" não contempla o período do fauvismo. "Não vejo agressividade no fauvismo, vejo sim uma liberdade que realmente influenciou toda a produção posterior", diz Emilie Ovaere, curadora adjunta do Museé Matisse, em Le Cateau-Cambrésis, na França. Agressivas ou não, é certo que as primeiras obras tiveram uma recepção hostil que, aos poucos, se dissipou.
Passados os anos "fauves", o que era turbulência virou alegria e a obra de Matisse passou a ser associada a um elogio à beleza, ao deleite visual, à aparência. O próprio artista escreveria que "expressão e decoração são uma só coisa". Não raro, foi criticado por nunca ter se referido às tragédias do século.
A explosão do elemento sensual e decorativo - ao qual seria sempre fiel - aconteceria ao mudar-se para Nice, nos anos 20, e dedicar-se a pintar o Mediterrâneo, suas mulheres, sua cultura visual: ele pintou uma horda de odaliscas, representadas na mostra por exemplar único, "Odalisque à la Culotte Rouge" (1921).
"Nas odaliscas, ele peca pelo excesso na utilização do elemento decorativo", opina a curadora Emilie, que, interessada na influência do pintor nas novas gerações, agregou trabalhos de cinco artistas contemporâneos franceses à exposição com 80 obras de Matisse. "Em diálogo com as suas odaliscas, há qualquer coisa de exagerado na obra de Phillipe Richard, beirando o mau gosto", diz a curadora.
De qualidade irregular, os trabalhos contemporâneos estão instalados frente a frente com Matisse, em uma atitude curatorial bastante ousada. "Reconheço que colocá-lo diante da arte contemporânea é pouco ortodoxo. Mas Matisse já foi exaustivamente exibido de maneira clássica. Acho que o público está pronto para isso." Ousado mesmo é Emilie considerar que o público brasileiro, em seu primeiro contato com a obra do mestre francês, poderá assimilar a inovação. Isso sim é que é "fauve".
Saiba Mais
Tema e variações
Há dois livros no mercado editorial que iluminam as idéias de Matisse. Em "Imaginação/ Erotismo/ Visão Decorativa" (CosacNaify), lançado na abertura da mostra na Pinacoteca, o mestre francês é cercado por 11 autores brasileiros e internacionais, que discutem diversos aspectos de sua obra.Organizada pela critica Sônia Salzstein, a coletânea de ensaios alinha passado e presente, em textos contemporâneos e clássicos. Entre os colaboradores brasileiros, figuram o pintor Paulo Pasta e a artista Iole de Freitas, que discorre sobre os vitrais de Matisse na capela de Vence, em Nice.O conceituado crítico americano T.J. Clark examina longamente a tela fauvista "A Mulher com Chapéu" (1905). Entre os textos "históricos", escritos no calor da hora em que Matisse criava, há preciosidades do escritor Louis Aragon e análises de Alfred Barr, ex-curador do MoMA. Organizado pelo critico francês Dominique Fourcade, "Escritos e Reflexões sobre Arte" (CosacNaify) foi lançado no Brasil em 2007 e traz os escritos em que Matisse expôs com clareza as ideias que orientaram sua obra. Estão reunidas no livro as célebres "Notas de um Pintor", de 1908, além de entrevistas, transcrições de aulas, depoimentos e cartas. Um repertório que percorre os 85 anos da vida de Matisse.
Colaborou Fernanda Assef