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agosto 27, 2009
Arte interior por Silas Martí, Folha S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo, em 26 de agosto de 2009.
Brumadinho, no interior mineiro, sente falta do congado e vive à sombra das megainstalações contemporâneas de Inhotim
Acendem as luzes no coreto. Sexta-feira, praça da rodoviária em Brumadinho. O sanfoneiro se apronta para tocar. "Olha a minha paixão", diz Iracema Silva, sentada num banquinho. "Se ele não tocar direito, vou xingar ele." E adianta à amiga ao lado que hoje fica até tarde.
Mesmo tendo "operado as vistas", Iracema, 74, é tirada para dançar seis vezes. Quando começam os versos "pega a moreninha e põe um xote aí", já está enroscada com um senhor trajando chapéu de vaqueiro.
Nada de arte contemporânea no forró da praça. Brumadinho, a 60 km de Belo Horizonte, é onde fica o Instituto Inhotim, campo verdejante com um dos maiores acervos de arte contemporânea no país e um dos maiores conjuntos de arte ao ar livre no mundo -investimento do empresário Bernardo Paz que beira os R$ 400 milhões.
No mês que vem, vai triplicar de tamanho, quando inaugurar outros nove pavilhões de artistas badalados na cena contemporânea internacional, do norte-americano Doug Aitken à canadense Janet Cardiff.
Mas desde que as obras de arte tomaram conta do terreno e expulsaram os bailes de congado da antiga fazenda Inhotim, Iracema não voltou a pôr os pés ali. "A gente não gosta disso de arte contemporânea, não", diz ela. "Eu sou da bagunça."
Perto do coreto, e de olho nos passos de Iracema, a costureira Laurinda Almeida diz que conhece Inhotim. "Lá é lindo, gosto da paisagem, da beleza", conta. "Mas tem que ter coisa mais moderna, não só bizarra."
Bizarras, na opinião de dona Laurinda, são a sala cheia de cacos de vidro, instalação de Cildo Meireles, e a sala de arame, da colombiana Doris Salcedo. "Gosto mais da natureza, de ficar olhando os micos lá, porque aqui até agora a gente nem sabia o que era um museu."
Outros nem sabem ainda. Na sorveteria Eliane, onde as garotas dão uma pausa no forró para retocar a maquiagem no espelho da geladeira, estética tem outro significado. É blush, rímel e batom vermelho entre flocos e milho verde. "A diversão aqui é sentar na praça, não tem nada aqui não", dispara a estudante Lucineide Lima.
Dentro de Inhotim, brumadinenses forrozeiros viraram estátua na instalação dos artistas James Ahearn e Rigoberto Torres. Moldadas a partir de pessoas reais, são figuras da cidade congeladas numa dança petrificada, colada à parede.
Lá está Lucineia de Assis, a grávida, filha de seu Goiaba. Ele, a mulher e os filhos viveram na fazenda Inhotim, antes da chegada do empresário Bernardo Paz, que fez o pasto virar museu há quatro anos.
Agora a casa onde nasceu José de Assis Pinto, o Goiaba, vai virar uma instalação da artista Rivane Neuenschwander. Outra casa, onde Goiaba se casou, foi demolida para dar lugar ao pavilhão de Cildo Meireles.
"Ele pagou bem, não tem ninguém desamparado, na rua", conta Goiaba. "Mas na minha vida, mudou tudo. Hoje está lá minha família toda."
Graça, a mulher de Goiaba, cozinhava para Bernardo Paz e hoje prepara mudas de orquídeas e bromélias na estufa de Inhotim. A filha Lucineia trabalha na biblioteca, a nora, na assistência social, o genro, no transporte. "Tenho até sobrinho lá dentro", conta ele.
De fato, Inhotim é o maior empregador direto do povoado. Tanto que os brumadinenses que vão ao museu estão lá a trabalho: jardineiros, garçons, motoristas, monitores. "As pessoas daqui têm uma mente bitolada", diz a monitora Débora Cristina. "Acham que aqui é lugar de gente da elite, brumadinense só vem aqui em dia de aniversário de funcionário."
Cada vez que um deles fica um ano mais velho, ganha cinco ingressos -cada um custa R$ 15- para distribuir entre amigos e parentes. Uma pesquisa encomendada pelo museu ao Vox Populi mostra, aliás, que a maioria dos 31 mil brumadinenses nunca foi a Inhotim, mas conhece de nome o lugar.
Do lado de fora, costumam ver grandes instalações ir e voltar pelas estradas que cortam Brumadinho. O fundidor de ferro Carlos Teixeira acha "um encanto, chique demais" os Fuscas coloridos do artista Jarbas Lopes. "Me falaram que aquilo era uma obra de arte", conta. "Vou pintar o meu."