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agosto 24, 2009
Reforma na Lei Rouanet não é contra os artistas consagrados, Folha de S.Paulo
Reforma na Lei Rouanet não é contra os artistas consagrados
Matéria da Sabatina Folha originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo, em 21 de agosto de 2009.
Ministro da Cultura afirma que eles não podem ser "discriminados" se a legislação não prevê distinção
O MINISTRO da Cultura, Juca Ferreira, 60, disse anteontem, em sabatina da Folha, que não há "impedimento legal nem moral" para que artistas como Caetano Veloso e Gilberto Gil recorram a patrocínio via Rouanet. Voltou ao tema mesmo quando questionado sobre outros assuntos, como o fato de shows patrocinados ocorrerem em locais de difícil acesso para quem vai de ônibus. Disse que a lei "é permissiva" e que não estimula contrapartidas maiores dos artistas, mas que não podem ser "discriminados". DA REPORTAGEM LOCAL
Ferreira admitiu que a afirmação de Lula de que o Itaú não gasta "um tostão" com os projetos do Itaú Cultural estava "factualmente errada". "Não diria injusta, porque é em torno de 80% de dinheiro público." O ministro foi sabatinado pelos jornalistas Sylvia Colombo (editora da Ilustrada), Gilberto Dimenstein (do Conselho Editorial da Folha), Marcio Aith e Ana Paula Sousa.
REFORMA DA LEI
Não é uma reforma contra os consagrados. Você não estimula o desenvolvimento se não atende a diversos segmentos. A decisão passa por várias etapas. O proponente entra com a proposta, o Ministério avalia a legalidade e envia para um órgão do sistema avaliar. O parecer vai para a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura [Cnic], que metade é do Ministério, metade é da sociedade e dos produtores culturais. Foi aí que houve rejeição ao projeto do Caetano. [...] A Cnic já tinha aprovado três projetos da Ivete Sangalo, o maior fenômeno da história da música no Brasil. Como aprovar um e não aprovar outro? Você só pode restringir se a lei prevê essa distinção. [...] A lei é permissiva.
GILBERTO GIL
Quando o Estado, a lei, a sociedade acha inconveniente que alguém que já fez parte do Estado tenha acesso, há uma figura que é a quarentena. Não há impedimento legal nem acredito que haja um impedimento moral.
CONTRAPARTIDA
São [pequenas as contrapartidas dos artistas]. A lei não permite uma exigência maior, mas todos que utilizaram a lei deram uma contrapartida de barateamento do custo, para que pessoas que não teriam acesso tivessem. É um ganho.
LOBBY
O que ela fez [Paula Lavigne, ao ligar para o ministro questionando a restrição ao uso da Lei Rouanet por Caetano] foi normal. Ela disse: "Caetano está escrevendo um artigo sentando o pau no MinC". Liguei para ele, que ia a uma sessão de pilates, e falei: "A gente se fala depois", porque sei que o pilates relaxa [risos]. Quando ele voltou, falou: "Pode ser provocação para nos intrigar". Falei: "Estão usando armas indevidas". O lobby deixa de ser legal e passa a ser questionável quando estabelece uma relação promíscua de privilégios, de beneficiamento de quem decide.
ESTADO X MERCADO
O que temos hoje não é parceria público-privada. Em 18 anos, houve aparência de contribuição da área privada, mas nove entre dez empresários só trabalham com 100% de renúncia fiscal. Parceria é associação de dois ou mais entes que buscam se fortalecer para realizar um objetivo comum. No caso da Rouanet, nós entramos com o dinheiro, e a área privada, com a decisão. Isso não é parceria, é escândalo.
ITAÚ CULTURAL
O Lula protestou contra isso [uso só de dinheiro público] e usou um exemplo que não é o mais adequado, porque quem ele citou [o Itaú Cultural] de alguma maneira coloca algum dinheiro. [...] Não diria injusto. Foi factualmente errado, mas não injusto, porque é em torno de 80% de dinheiro público.
CNIC
Recebemos milhares de projetos por setor, e não há possibilidade de uma avaliação mais profunda. A Cnic será setorizada. Eu às vezes tenho vergonha de avaliações produzidas pelo Ministério, que estão aquém dos projetos que estão avaliando. [...] No caso do Caetano, havia um erro de avaliação. A Cnic não percebeu que ele propunha redução do preço do ingresso. Você há de convir que foi raro [a intervenção do ministro]. Perante o Estado quem é responsável por qualquer erro é o ministro, então a última palavra é do ministro. [A comissão] É consultiva, e não decisória.
VALE-CULTURA
[Questionado sobre se o governo não deveria orientar o gasto do Vale-Cultura pela população, permitindo formação de plateia no lugar de uso em shows de funk, por exemplo] Somos tratados com uma suspeição recorrente de dirigismo cultural. Na hora que a gente lança um instrumento democrático, vêm demandar que a gente diga o que a população vai consumir? Os editoriais da Folha e do "Estadão" foram uma surpresa. Não pode o Estado dizer: "Isso é meritório, isso não é". Me surpreendeu dois órgão de imprensa de marca liberal demandarem do Estado esse tipo de censura. Não tenho nada contra o funk. Todas as manifestações populares foram incompreendidas. É uma manifestação cultural enraizada nas populações pobres do Rio. Se tem proximidade com a criminalidade é porque [isso vale para] qualquer coisa que se mexa naquele ambiente, onde o Estado é frágil. O funk tem mérito do ponto de vista cultural, é um gênero cultural como outro qualquer.
IMPRENSA
A imprensa faz uma guerra de trincheira com o governo. Se mexeu, toma tiro. A imprensa vê as árvores, mas não vê a floresta. [...] Eu me dou bem com a imprensa porque ambos trabalhamos na esfera pública, mas as vezes ela escorrega um pouco no deslumbramento com o próprio poder.
CANDIDATURA
Eu não sou candidato, dizendo peremptoriamente. Gosto desse trabalho e quero ir até onde puder nisso.