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julho 30, 2009
Proliferação de estátuas no Rio é posta em xeque na EAV por Suzana Velasco, O Globo
Matéria de Suzana Velasco originalmente publicada no Segundo Caderno no jornal O Globo, em 24 de julho de 2009.
Artistas e críticos pedem um projeto amplo para a cidade
Num debate acalorado anteontem na Escola de Artes Visuais do Parque Lage (EAV), artistas, críticos e representantes dos governos municipal e estadual discutiram os problemas da ocupação de arte pública no Rio, que nos últimos anos tem sido invadido por estátuas em homenagens a escritores, políticos e músicos.
Diante de uma plateia lotada, os críticos Paulo Herkenhoff e Fernando Cocchiarale e os artistas Ernesto Neto e Everardo Miranda pediram a elaboração de uma política de ocupação da cidade por obras de arte ao subsecretário municipal de Patrimônio, Washington Fajardo, e à secretária estadual de Cultura, Adriana Rattes, presentes ao debate.
O encontro foi organizado após um abaixo-assinado ter sido realizado há algumas semanas, pedindo atenção para a multiplicação sem critérios de esculturas pela cidade.
Sem citar nomes, os debatedores deixaram claro que o estopim foi a proposta de uma escultura de Romero Britto retratando a Garota de Ipanema, que estaria sendo negociada com o governo do estado. Mas a insatisfação é antiga: - Nos últimos 15 anos, o Rio viveu seu pior momento em termos de ocupação pública. Não há zona a salvo. É preciso um movimento de retirada dessas estáutuas - disse Herkenhoff, com ironia, criticando o "hiperrealismo idiota" dos bustos e estátuas que reproduzem personalidades.
- Este momento é uma etapa decisiva nesse processo. Se não assumirmos a responsabilidade de alertarmos o prefeito e o governo do estado, teremos a continuidade das políticas de Cesar Maia.
Os participantes criticaram a comissão criada pelo último governo Cesar Maia após os protestos contra a instalação de obras da escultora Mazeredo em Copacabana. Participante dessa comissão, Ernesto Neto disse que ela foi criada só para calar os que protestavam, mas nunca teve efetividade.
Como Herkenhoff, ele afirmou que é necessária uma concepção maior de ocupação pública, que não se limite à mera distribuição de esculturas. — Qualquer objeto que é colocado carrega uma carga simbólica, representa a nossa sociedade. Se aceitarmos a escultura daquele que ninguém quer dizer o nome, ela vai representar a gente - disse ele, referindo-se a Britto. - Estamos discutindo coisas pequenas, em vez de discutir um projeto para o Rio. Aqui, o projeto é sempre de quatro anos.
Adriana Rattes: "As pessoas adoram os bonequinhos"
Everardo Miranda, participante de uma comissão bem sucedida em 1995 - que instalou na cidade esculturas de artistas como Ivens Machado e Waltercio Caldas, no primeiro governo Cesar Maia -, pediu que a ocupação de obras de arte pública seja definitivamente um assunto da Secretaria de Cultura, e não de setores ligados a Riourbe ou Parques e Jardins.
Apesar da boa vontade, o secretário municipal de Patrimônio se mostrou um tanto perdido com as reclamações, mas mostrou, com um mapa da cidade e suas esculturas, que a ocupação no Rio é feita só na Zona Sul e no Centro. Segundo ele, ao se pensar num política pública nesse tema, é necessário avaliar primeiro que áreas da cidade devem ser privilegiadas.
- Recebo muitos pedidos de bustos e estátuas, mas estou recusando. Só que isso não pode ser proibido com um decreto, temos que pensar em qual tipo de cidade a gente quer - disse, ressaltando que se deve tomar cuidado para não recair em elitismo. - Queremos retomar uma comissão, mas precisamos pensar no seu desenho, em como incorporar a diferença no espaço, para que a gente não produza uma polícia, um fórum de alta erudição somente. Os critérios precisam incorporar a complexidade da cidade.
Fajardo foi interrompido pelo escultor Ivens Machado: - O senhor, como uma pessoa do poder público, pode apoiar ou não uma posição que seja contra essa carnavalização da cidade - gritou. A secretária estadual de Cultura, Adriana Rattes, disse que não defendia o vale-tudo, mas que deve-se atentar para o fato de que as estátuas agradam à população.
- As pessoas adoram as esculturas dos bonequinhos! Eles não aparecem só porque alguém doou, mas porque a sociedade gosta - disse Adriana, que, depois de contestada sobre a aparente defesa das estátuas de personalidades, explicou: - Sou absolutamente a favor das elites, principalmente das elites artísticas e intelectuais, elas existem para liderar.
Ansioso para formar ali mesmo uma comissão, Fajardo recebeu uma sugestão do artista plástico Carlos Zilio, um dos organizadores do abaixo-assinado: - O que a gente pede de imediato ao setor público é que pelo menos não atrapalhe - disse. - A proposta da estátua da Garota de Ipanema é um fato extremamente sério, não é anedótico. É simbólico da decadência do Rio.