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julho 29, 2009
Esculturas em jogos de escalas por Maria Hirszman, O Estado S. Paulo
Matéria de Maria Hirszman originalmente publicada no Caderno 2 no jornal O Estado S. Paulo, em 27 de julho de 2009
O carioca José Damasceno expõe três séries de novos trabalhos, após quatro anos de ausência
A mostra Complementar, que José Damasceno acaba de inaugurar no Galpão Fortes Vilaça, quebrando um jejum de quatro anos sem realizar exposições em São Paulo, é um interessante exercício de concisão, que revela muito de sua forma de pensar e fazer arte. Com apenas três trabalhos, ou séries, a mostra trabalha questões recorrentes na trajetória do artista carioca, como o jogo entre diferentes escalas, a elaboração de ordens geométricas e espaciais, uma atuação na fronteira entre o mundo da representação e o mais abstrato nível projetivo.
O mais impactante deles, que dá título à mostra, é composto por uma série de mais de 50 cilindros, em dois diferentes tamanhos, que literalmente pontuam o amplo espaço do galpão, fixando-se no chão e parede de forma a criar relações de escala e perspectiva. "Afinal, o que é o espaço? Ele pressupõe a existência de coordenadas diferentes e produzir; descobrir essas coordenadas me interessa bastante", sintetiza. Esse trabalho remete a outras experimentações desenvolvidas pelo artista ao longo do tempo, na tentativa de potencializar e investigar as relações espaciais, como, por exemplo, na instalação composta por uma série de vírgulas em mármore afixadas nas paredes de um galpão na 4ª Bienal do Mercosul (2003). Mas agora o trabalho adquire um caráter ainda mais desafiante, ao deixar de lado o caráter metafórico, gráfico, da vírgula e substituir o nobre mármore pelo industrial polipropileno.
Como durante muito tempo não teve ateliê, Damasceno habitou-se a desenvolver seus trabalhos - muitas vezes grandiosos - por meio de desenhos, esboços e projetos, vendo o resultado final apenas no espaço expositivo. Essa estratégia acabou tornando-se elemento fundamental do segundo grupo de obras que o artista expõe agora. Iniciada em 2006, os trabalhos da série Projeto-Objetos tem por base exatamente a estrutura do sistema de representação projetiva. O artista parte sempre de uma unidade similar - a caixa de madeira da moldura - e da base reticulada do papel milimetrado. A partir daí, derivam as combinações mais variadas, investigações amplas sobre os mais diversos sistemas de representação, mesclando abstrações de caráter construtivo a poéticas figuradas, de caráter até lírico como a tentativa de fuga da estatueta antiga de mulher, que parece tentar escapar do mundo abstrato e frio da caixa de vidro. "A pessoa é desafiada a tentar entender tudo isso", afirma o artista, que também se considera de certa forma um espectador em sua própria exposição.
Satélite é o terceiro trabalho da exposição. Trata-se de uma estrutura semelhante a um mostruário de cartões-postais, mas cuja haste foi tão prolongada que se torna impossível alcançar os cartões, lá no alto. Mais um dos jogos de escala de Damasceno, com o intuito de estimular a percepção do espectador e que ele considera totalmente natural em seu trabalho. "Afinal, sou um escultor", brinca.
Quem se interessar em ter a imagem exibida pode adquiri-la por um preço "de custo" e a receberá pelo correio ao fim da exposição. Trata-se de uma única e bela foto em preto e branco, feita do mesmo mostruário, colocado na praia do Leme (Rio) e tendo por fundo o mar e o céu. Instigante transformação da paisagem em matriz de representação do espaço, reforçada ainda mais pela circularidade sem fim da linha do horizonte, quando disposta nos dispositivos da estrutura metálica circular.
Essa é a única obra da exposição que não é inédita, e foi concebida para a grande exposição individual realizada pelo artista no Museu Reina Sophia, em Madri, por ocasião do Ano do Brasil na Espanha, em 2008. Essa mostra foi tomada como uma confirmação da posição de destaque de Damasceno no cenário internacional. Em vez de assustar-se ou fascinar-se com tal situação, o artista procura encarar essa fase promissora com distanciamento, considerando o sucesso como mais um fator da série de "armadilhas" que se colocam ao artista ao longo de sua trajetória. "Não quero cumprir com expectativas que são depositadas em mim, mas estar o mais próximo das questões que me motivam", explica.