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julho 23, 2009
Nova Rouanet empaca no calendário por Silvana Arantes, Folha de S. Paulo
Matéria de Silvana Arantes originalmente publicada na Ilustrada no jornal Folha de S. Paulo, em 20 de julho de 2009.
Prevista para chegar ao Congresso em junho, proposta que altera lei de incentivo à cultura só ficará pronta em agosto
Ministério da Cultura diz que sugestões apresentadas pela sociedade atrasaram a confecção de nova legislação de patrocínio
O projeto do Ministério da Cultura (MinC) de revogar e substituir a Lei Rouanet, que canaliza cerca de R$ 1 bilhão por ano à produção cultural, via subvenção fiscal, empacou no calendário.
O objetivo era enviar o documento ao Legislativo em junho. "Há uma questão de tempo político. O projeto precisa chegar ao Congresso no máximo até o meio do ano", afirmou à Folha, em março, o secretário-executivo do MinC, Alfredo Manevy. Agora, o ministério estabelece agosto como novo prazo para submeter a proposta a deputados e senadores.
O atraso, segundo o MinC, deve-se ao fato de que tornou-se mais complexo do que se supunha o processo de ajustes que estão sendo feitos no texto, levando-se em conta as cerca de 2.000 sugestões recebidas na consulta pública realizada entre março e maio passados.
Embora a chamada Nova Lei Rouanet ainda esteja na gaveta ministerial, o Congresso deverá receber, nesta quinta, um outro projeto de lei do MinC. Trata-se de um desmembramento das medidas previstas na Nova Rouanet, com as quais o ministro Juca Ferreira (Cultura) pretende reconfigurar o modelo de financiamento à produção cultural no país.
O ponto a ser antecipado ao Congresso institui o Vale Cultura, um mecanismo semelhante ao do Vale Refeição, que subsidia o consumo, no caso, de produtos culturais. Segundo o MinC, essa é uma proposta "consensual", que tem, portanto, chances de tramitação e aprovação velozes. Daí a explicação para o fato de ser apresentada em separado e antecipadamente à Nova Rouanet.
Outro aspecto leva a crer que o MinC prevê embate no Congresso em relação ao projeto de modificar a Lei Rouanet, que dá mais poder ao ministério de decidir onde aplicar o dinheiro.
A pasta prepara para breve uma reunião para discutir o projeto com os representantes das empresas que mais investem em cultura no país.
De um lado, o MinC gostaria de obter dos patrocinadores o compromisso de que investirão mais dinheiro privado e menos "recursos incentivados" na cultura. Os empresários, por sua vez, argumentam que muitas das mudanças previstas na lei a tornam menos atraente e acenam com menos patrocínios.
Dedos e anéis
A Folha apurou que o MinC adotará na reunião a estratégia de não ceder a pressões. Avalia que "o risco é perder os anéis agora, e os dedos lá na frente".
Negociando em diversas frentes simultaneamente, o ministro Juca Ferreira divulgou ter obtido neste mês uma moção de apoio de governadores do Nordeste e do de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), além da promessa de que irão pressionar as bancadas de seus respectivos Estados para aprovar o projeto da Nova Rouanet.
Diante do atraso no cronograma de substituição da Lei Rouanet -objetivo declarado do MinC desde a primeira gestão do governo Lula-, o ministério diz ter optado por "consertar o avião enquanto ele voa", conforme diz Manevy.
Uma das iniciativas para aperfeiçoar o funcionamento do mecanismo foi tomada na semana passada, quando o MinC lançou edital para a contratação de avaliadores.
A medida é, de acordo com o MinC, uma tentativa de profissionalizar e qualificar o método de avaliação dos projetos que aspiram ao benefício da lei. "O ministério tem pareceres hoje, mas são ruins. O sistema não funciona bem", diz o secretário-executivo da pasta.
Ministério muda artigo polêmico
O Ministério da Cultura reescreveu o mais polêmico artigo de seu projeto que revoga e substitui a Lei Rouanet -o que estabelece o direito de uso, pelo governo, de obras produzidas com o incentivo da lei federal.
Na forma anterior, que desencadeou uma onda de reações negativas e a suspeita de ilegalidade por advogados consultados por patrocinadores, o artigo 49 estipulava que "o Ministério da Cultura e demais órgãos da Administração Pública Federal poderão dispor dos bens e serviços culturais financiados com recursos públicos para fins não-comerciais e não-onerosos, após o período de três anos de reserva de direitos de utilização sobre a obra".
O prazo para o usufruto pelo governo de obras financiadas pela lei caía para 18 meses, em caso de "fins educacionais, igualmente não-onerosos".
Novos critérios
A nova redação desse artigo estabelece que "a União poderá exigir, como condição para a aprovação de projetos financiados com o mínimo de 80% de recursos públicos, que lhe sejam licenciados, em caráter não-exclusivo e de forma não-onerosa, determinados direitos de utilização das obras intelectuais resultantes da implementação de tais projetos".
No esforço de atenuar a preocupação de produtores culturais de que essa exigência comprometerá a exploração comercial de seus produtos, o MinC acrescentou dois parágrafos ao artigo.
O primeiro determina que "o uso previsto neste artigo será permitido após decorrido um prazo não inferior a três anos do encerramento do projeto, conforme disposto no regulamento, e deverá ser para fins institucionais e não-comerciais, tais como educacionais, culturais e informativos".
Por fim, o texto afirma que "a licença de que trata este artigo refere-se a uma autorização voluntária restrita a certos direitos de utilizar a obra intelectual, nos termos e condições fixados, sem que se caracterize transferência de titularidade dos direitos".