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Como atiçar a brasa

 


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julho 17, 2009

A arte de dar a volta por cima por Paula Alzugaray, Istoé

Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Istoé, em 10 de julho de 2009.

Sophie Calle, a francesa que faz da frustração o motor de sua arte, traz ao Brasil trabalho gerado a partir de email de rompimento relação amorosa e reencontra aqui o pivô dessa história

Cuide de você/ SESC Pompéia, SP/ de 11/7 a 7/8
Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador/ de 22/8 a 22/11

Em junho de 2004, depois de tomar um fora do namorado por email, a artista francesa Sophie Calle fez uma consulta no Hospital Público de Paris. A médica que a atendeu anotou que não via razão para prescrever anti-depressivos. “Você está simplesmente triste. A solução não é química”, escreveu a Dra.

Catherine Solano em uma receita médica em tom de carta pessoal. A médica finalizava com a sugestão: “Você encontrará recursos para reagir”. A reação de Sophie Calle ao fim de sua história de amor com o escritor franco-argelino Grégoire Bouillier pode ser conferida pelo público paulistano a partir de sábado, 11, na exposição “Cuide de você”. Intitulada com as últimas palavras de Bouillier, a exposição reúne as interpretações que 107 mulheres deram à carta de rompimento.

“Meus projetos nascem da frustração e da impossibilidade”, explica Sophie Calle. “Não entendi essa carta, não pude respondê-la, então pedi a outros que o fizessem por mim”. Lida e relida 107 vezes, a carta passou por uma análise literária e lingüística, por revisão gramatical, por interpretação jurídica, por leitura de tarô. Foi transformada em partitura musical, em código numérico, em passos de dança. Foi dissecada por mulheres famosas como Vitória Abril, virou picadinho nas mãos da atriz Miranda Richardson, e até comida em bico de cracatua. “Não gosto de choro. Encontrei uma forma de manter um distanciamento pedindo que outras mulheres lessem a carta utilizando seu vocabulário profissional”, conta.

As reações integram a mostra na forma de textos, fotos e vídeos. Há desde reações lacrimejantes e indignadas – as mais previsíveis -, até performances notáveis e surpreendentes – que realmente sacodem a poeira – como as da artista multimídia Laurie Anderson e da cantora Camille.

Os trabalhos de Sophie Calle nascem sempre como uma reação. “Podem vir de meu fracasso no amor ou de meu fracasso em encontrar uma idéia”. Seu primeiro projeto, “Suíte Vénitienne” (1979), em que perseguiu um homem de Paris até Veneza anotando todos os seus passos como um detetive, veio da ausência de iniciativa própria. “Eu estava tão passiva que precisava usar as pessoas como motor para minha atividade”. Em “Unfinished” (2005), sua incapacidade de lidar com imagens de câmeras de vigilância tornou-se o motor para um documentário sobre uma crise criativa que durou 15 anos levou um trabalho a permanecer inacabado.

O reencontro entre Sophie e Bouillier na Feira Literária de Paraty, no sábado 4, poderia dar a impressão de que “Cuide de você” é também um trabalho inacabado, pronto para uma possível retomada. Sophie nega. “Dez dias depois de começar o trabalho, eu tinha medo de que ele voltasse para mim. O trabalho se tornou muito mais importante do que a nossa relação. O trabalho está acabado e eu amo outra pessoa”.

Estante

Duas autobiografias e um encontro

Sophie Calle e Grégoire Bouillier dividiram uma mesa na Feira Literária de Paraty para discutir a relação em público. Por trás do debate, dois livros autobiográficos, em que a ficção empresta seu tom à realidade.

O convidado surpresa/ Grégoire Bouillier/ CosacNaify/ R$ 35
Grégoire Bouillier narra a história de uma única noite: a experiência de transformar-se em personagem de uma das obras de Sophie Calle. No dia em que a artista fez 37 anos, ele foi o convidado número 37 de sua festa de aniversário, como parte de ritual que a artista inventou para sentir-se menos só.

Histórias reais/ Sophie Calle/ Agir Editora/ R$ 34,90
Com 30 textos curtos e contundentes – com uma imagem fotográfica dedicada a cada um deles –, este primeiro livro de Sophie Calle editado no Brasil expressa bem o estilo da artista: sem sobras, nem excessos. Trata-se da narrativa de uma vida em que cada fato cotidiano é feito de uma pequena performance.

Dez verbos para Sophie Calle
A vida artística de Sophie Calle sempre foi mediada por ações reincidentes. Selecionamos dez dessas ações para ela comentar. À lista, Sophie acrescentou, no final, mais uma palavra.

Listar
Faço isso como uma maneira seca de colocar as emoções; um modo de tomar distância em relação aos fatos.

Documentar
Não sou documentarista. Documento as regras dos jogos que organizo com um propósito mais poético que jornalístico.

Ficcionalizar
Não invento histórias. Mas as histórias são sempre fictícias. Se escolho uma palavra no lugar de outra, já estou fazendo ficção.

Roteirizar (a própria vida)
Escolho um sujeito completamente arbitrário. Um homem para perseguir. Esse homem não significa nada para mim, mas ele se torna uma obsessão graças à regra do meu jogo. Quando o jogo acaba, ele está fora da minha vida. As regras são uma forma de criar emoção com controle. Em minha vida normal, não tenho esse controle.

Fotografar
Na minha primeira foto eu não vi o que fotografei. Quando estava vivendo na Califórnia, fotografei uma tumba num cemitério, onde estava escrito: “irmão, irmã”. Só me dei conta disso quando voltei à Paris e revelei a foto. Vinte anos depois, voltei ao cemitério e me dei conta de que as tumbas não continham nomes, mas vínculos familiares: “pai, mãe”; “mãe, filha”; irmão, irmã”.

Observar e ser observada
Isso foi há 30 anos atrás. Eu não persigo alguém para observá-lo desde 1979.

Vagar
Comecei a seguir pessoas porque estava perdida, não sabia para onde ir, não tinha desejo nenhum. Pensei que seguindo pessoas descobriria novos lugares. Tomei gosto por não ter de decidir nada, por deixar as pessoas decidirem por mim. Essa foi uma forma de conhecer Paris novamente.

Citar
Eu faço citações? Também não presto atenção a citações ao meu trabalho.
Colaborar

Em “Cuide de você”, quis que outras mulheres respondessem à carta por mim. Minha resposta seria a soma, o acúmulo de todas essas respostas.

Arquivar
Eu arquivo tudo. Guardo tudo, a princípio, porque tenho uma ausência patológica de memória. Leio um livro cinco vezes, fecho o livro e não me lembro o nome do personagem. Sempre fui assim, desde a escola. Arquivo tudo para me lembrar.

Ausência
A palavra que eu diria que mais fala sobre o que eu faço é “ausência”. Eu adicionaria essa palavra à minha lista. Mas não posso dizer nada sobre a ausência.

Roteiros

Game também é cultura

GAMEPLAY/ Itaú Cultural, SP / até 30/8

Não é de hoje que o game ganhou espaços expositivos de centros culturais destinados a obras de arte. Desde o início da década, os games integram mostras de arte e tecnologia, como o Festival Internacional de Linguagem Eletrônica (FILE) e o evento Emoção Art.ficial. Desta vez, os jogos ganharam uma exposição exclusiva, no Itaú Cultural, com onze videogames e seis instalações.

Mesmo que alguns trabalhos se aproximem da já conhecida “game-art”, os organizadores da mostra insistem em não haver aqui a intenção de pensar o game como obra de arte. “Este não é um evento estético. Não entramos na discussão do ser ou não arte, apenas assumimos o vídeo-game como parte da cultura contemporânea e desejamos pensar o conceito da ‘gameplay’ ou ‘jogabilidade’, que nós definimos como a interação do humano com a máquina”, explica Guilherme Kujawski, gerente do núcleo de Arte e Tecnologia do Itaulab. Na seleção, há desde jogos comerciais, como o “FIFA Street 3”, em que o jogador organiza um time de craques do futebol jogando uma pelada no meio da rua, ao famoso “Mario Kart Wii”.

Uma versão do clássico da Nintendo, o jogo é um simulador de corrida com Mario Bros e seus famosos colegas.

Por outro lado, reforçam a idéia da game-art, trabalhos como “KinoArcade”, do coletivo Windows Media Players, em que o jogador entra numa espécie de fliperama para re-editar com joysticks o filme “Encouraçado Potemkin”, de Serjei Eisenstein. Ou ainda “Velvet strike”, concebida pelos artistas Marie Schleiner, Brody Condon e Joan Leandre, do qual o público não participa ativamente e é considerada, segundo os organizadores da mostra, um clássico da video-arte. Arte ou não, a mostra é um enorme sucesso de público, com filas de espera de até duas horas para interagir com as máquinas.

Fernanda Assef

Posted by Ana Maria Maia at 7:42 PM